A presença arriscada da Igreja na Somália

Dom Giorgio Bertin Dom Giorgio Bertin

“Mesmo se tiver que ser no silêncio, ainda assim é melhor do que não estar”, é o que afirma Dom Giorgio Bertin, administrador apostólico de Mogadishu e bispo de Djibouti, se referindo à presença da Igreja Católica nessa parte da África, onde ele tem vivido e estado à serviço da Igreja por já há quase 40 anos.

Os olhos do prelado Italiano brilham quando ele é perguntado sobre a pequena igreja de Santo Antônio de Pádua na cidade de Hargeisa, na Somalilândia (região autônoma do Norte da Somália que se autodeclarou como estado independente, não reconhecido internacionalmente). “Ela foi construída pelos capuchinhos em 1950, mas por muitos anos permaneceu fechada. Antes do levante dos rebeldes contra as autoridades somalis em Mogadishu, eu celebrava missa lá pelo menos três vezes ao ano, incluindo Natal e Páscoa… depois desses acontecimentos ficou muito perigoso. Em janeiro passado entrei em contato com as autoridades em Hargeisa, explicando que gostaríamos de reabrir a igreja e que lá também seria um lugar de atividades humanitárias sob responsabilidade da Caritas. Eles aceitaram, e assim eu celebrei a re-abertura da igreja”, expõe o bisco com um sorriso de orelha a orelha. Ele fala ao pessoal da ACN (Ajuda à Igreja que Sofre) em Roma, durante rápida visita à Itália. “Não são muitas pessoas que vão à missa – umas 10 no máximo – contudo, não diminui a importância”.

A pequena igreja em Hargeisa é o único lugar de presença da Igreja Católica em toda a Somalia até o momento, num país onde todo o dia “há mais e mais mesquitas, graças à ajuda financeira da Arábia Saudita”. Para os católicos, no entanto, “não há maneira de estar presente em Mogadishu, já que o perigo é muito grande. Há alguns católicos, mas se eles se envolvem em qualquer atividade, na Caritas por exemplo, estarão arriscando suas vidas. Nós só podemos estar lá através do intermédio de outras associações somalis”.

Foi há 27 anos, depois do assassinato do Bispo Salvatore Colombo, que a Curia Romana, solicitou que o Bispo Bertin se tornasse o administrador apostólico de Mogadishu, depois que rebeldes tinham destruído quase toda a capital da Somália e toda a presença física da Igreja Católica. “Eles deliberadamente nos tornaram seu alvo, mas não só nós; na verdade, eles destruíram tudo – as embaixadas, instituições públicas…” Essa foi uma rebelião nunca vista antes na história da Somália, um país onde ainda não é possível formar um estado, mas ao contrário tem sido dividido em diferentes regiões em que algumas se autoproclamaram independentes, a maioria não reconhecidos.

A Igreja é respeitada em Djibouti, no entanto…

Dom Bertin é cuidadoso ao explicar que o Estado independente de Djibouti, onde ele vive atualmente, é um tanto diferente da Somália. “Nós somos deixados em paz lá; não há perigo e a Igreja é respeitada”. No momento há cerca de 5.000 católicos vivendo nessa antiga colônia francesa, a maioria são estrangeiros que trabalham lá: franceses, ou pessoas que vieram da Etiópia. “Há também alguns católicos nativos e Djibouti, por tradição familiar ou órfãos que foram levados às instituições da Igreja, mas são a minoria”.

“Em Djibouti, a maior tarefa da Igreja são as escolas e o trabalho da Caritas”, o bispo nos assegura, tocando sua cruz peitoral de madeira. “Eles são como nossos dois braços”, ele adiciona. “Nosso trabalho pastoral é muito limitado, e mesmo que não tenhamos convertido pessoas ou estabelecido esse trabalho, estamos, no entanto, semeando o Evangelho entre o povo, dado que 99% dos alunos de nossas escolas são muçulmanos, eles sabem que nós somos sinceros e que os respeitamos, eles então nos respeitam em troca”.

Nessa região de esmagadora maioria islâmica, há cerca de 30 religiosos católicos, com 2 igrejas e 4 casas missionárias. “Um padre ou uma irmã religiosa não estão lá só pelos católicos; estão lá como uma presença na sociedade, em contato com as pessoas e abertas a elas. Nós não podemos permanecer fechados às nossas estruturas”, explica o Dom Bertin, que pisou pela primeira vez nessa parte conhecida como Chifre da África em 1969 e tem vivido lá de modo permanente desde de 1978.

Ele foi recebido em audiência recentemente pelo Papa Francisco. “Ele me ouviu, nós conversamos sobre a realidade da vida lá, ele agradeceu pelo nosso trabalho e também pelo presente que levei a ele, um incenso – e ele me disse que o incenso da Somália é muito bom!”, o bispo conta rindo. “Agora esperamos ansiosamente a visita ad limina¹”.

A ACN tem vários projetos, tanto na Somália quanto em Djibouti há anos; como por exemplo na tradução e publicação de vários livros religiosos, incluindo o catecismo. “Sou muito agradecido à ACN. Temos tido um ótimo relacionamento por muitos anos”, diz o bispo de Djibouti.
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¹Vista ad limita: encontro obrigatório de prelados ou bispos diocesanos com o Papa nos túmulos de São Pedro e São Paulo; acontece em média a cada 5 anos.

 

Fonte: ACN

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