A GALINHA DO VIZINHO

                A canção infantil nos diz que ela bota ovo amarelinho. Uma pepita de ouro por dia! Envolta na mais pura clara, qual néctar dos deuses, sua gema brilha tanto quanto o ouro mais puro das minas de Salomão. Parece conto infantil, mas é pura realidade. Num mundo globalizado, onde tudo o que acontece no quintal alheio chega ao conhecimento de todos, até os ovos da pobre galinácea que cisca seus entulhos é capaz de nos despertar a cobiça. Porque os melhores ovos estão no quintal vizinho e não no nosso?

                Vivemos tempos de ganância e cobiça extremas. Se o tênis do amigo tem uma estrela a mais, um milímetro de sofisticação e tecnologia lhe altera o valor, o meu tem que ser melhor. Se a grife que o outro usa é mercadologicamente melhor, hei de encontrar outra mais rara, mais cara. Se o perfume lhe marca a presença pela exclusividade do aroma, o meu há de ser tão ou mais personificado que anunciará minha presença antes mesmo de estar presente. Se o carro que me veste (sim, carro hoje é indumentária) não despertar maiores exclamações estará chegada a hora de substituí-lo por outro mais moderno. Nossos referenciais ultrapassaram a beleza da simplicidade que veste os corações mais puros. Já não sou eu quem vive, é o mundo que vive em mim. Ser e ter estão na essência da moda e do consumo que nos alimenta. Nada seremos sem o peso dessas medidas de sucesso.

                Paradoxalmente, não é essa a essência da vida. Há mais riquezas onde a sofisticação escasseia. O excesso tecnológico dos dias atuais, muitas vezes, nos faz recordar com lirismo os dias passados. Quem nunca aspirou pela simplicidade. Pela objetividade da comunicação via correio – tinha até os “elegantes” que torpedeavam corações apaixonados – do simples botão dial de nossos velhos aparelhos eletrônicos, do velho coador de pano que simplesmente coava, sem apitos, sem desperdícios; do feijão sem inflação, do “amarelinho” da carijó, direto do produtor ao consumidor. Mas saudade não põe a mesa. Todavia, inveja ainda mata Abel.

                Sinto claramente a intensificação desse crime fraticida. O excesso de conforto está matando o respeito ao que é do outro. A inveja tornou-se grande aliada da ambição pessoal. Até no campo sentimental, cobiça ao que não nos pertence torna-se um desafio que bem alimenta o orgulho pessoal, esse que só sabe desrespeitar vitórias e conquistas que não sejam próprias. Mata-se não só fisicamente, mas moral, espiritual e até sentimentalmente o outro, porque aquilo que desejamos só se conquista com a derrota, a usurpação, a eliminação do outro que trilha um mesmo caminho nosso. A competitividade toma conta. A esportividade já não é esporte, mas guerra! Nesse jogo, que vença o melhor, que brilhe o mais esperto, que o pódio seja do mais poderoso, aquele que é forte porque pode, mas por dentro é tão fraco quanto banana podre, vazio como ovo choco, gorado. Belo por fora, fétido por dentro!

                Em tempos de competições, que se reavaliem nossos jogos de vida. Ou de morte. As conquistas do vizinho são dele. As nossas talvez lhes despertem admirações tanto quanto admiramos e aplaudimos as dele. Essa reciprocidade é a alegria que nos falta numa sociedade estritamente materialista e consumista. Não se deixe instrumentalizar pela ambição sem medidas. Somos mais que meros competidores. Somos iguais, mas distintamente diferentes nos sonhos, na ambição, no instinto de reconhecer nossos méritos e respeitar os méritos do outro. “Ó abismo de riqueza, de sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos!” (Rom 11,33).  

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