Vatican News
“Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados. A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade.”
Com estas palavras pronunciadas pelo Papa em 27 de março na Praça São Pedro, tem início a mensagem assinada pelo cardeal Pietro Parolin e enviada ao bispo de Rimini, Dom Francesco Lambiasi, por ocasião da 41ª edição do “Encontro para a amizade entre os povos”, realizado este ano virtualmente. Diante das questões levantadas pela pandemia, os cristãos – diz a mensagem – têm a missão de sustentar a esperança dos homens, por meio do testemunho da experiência da beleza de Deus.
Resgatar a capacidade do “maravilhar-se”
O título deste ano – “Privados de maravilha, permanecemos surdos ao sublime” – oferece uma contribuição preciosa e original em um momento vertiginoso da história. “Na busca dos bens, mais que do bem – observa o secretário de Estado na mensagem – muitos apostaram exclusivamente na própria força, na capacidade de produzir e ganhar, renunciando àquela atitude que na criança constitui o tecido do olhar sobre a realidade: o maravilhar-se.“
E é justamente esta capacidade de maravilhar-se que coloca a vida em movimento, “permitindo a ela recomeçar em qualquer circunstância”. “É a atitude que devemos ter no começo do ano, porque a vida é um dom que nos possibilita começar sempre de novo”, havia dito o Papa Francisco na Missa de 1º de janeiro de 2019, insistindo então na necessidade de readquirir a capacidade de se maravilhar para viver: “a vida, sem nos maravilharmos, torna-se cinzenta, rotineira; e de igual modo a fé. Também a Igreja precisa renovar a sua maravilha por ser casa do Deus vivo, Esposa do Senhor, Mãe que gera filhos”.
Nos últimos meses – recorda a mensagem – experimentamos aquela dimensão do deslumbramento, “que assume a forma da compaixão diante do sofrimento, da fragilidade, da precariedade da existência”, um nobre sentimento humano que “levou médicos e enfermeiros a enfrentar o grave desafio do coronavirus com dedicação extenuante e admirável compromisso.”
O mesmo sentimento pleno de carinho pelos próprios estudantes – prossegue – “permitiu a muitos professores acolher o cansaço do ensino à distância, garantindo o fim do ano letivo. Da mesma forma, permitiu que muitos encontrassem nos rostos e na presença de familiares a força para enfrentar as adversidades e sofrimentos”.
Neste sentido, o tema do “Meeting” constitui “um poderoso chamado para descer às profundezas do coração humano por meio da corda do deslumbramento”.
Qual é o significado da vida, da dor, da morte?
Assim, “como não experimentar uma original sensação de deslumbramento diante do espetáculo de uma paisagem de montanha, ou de ouvir uma música que faz vibrar a alma, ou simplesmente diante da existência de quem nos ama e do dom da criação? O deslumbramento é verdadeiramente a forma de apreender os sinais do sublime, isto é, daquele Mistério que constitui a raiz e o fundamento de todas as coisas.”
Se tal meta não for cultivada, tornamo-nos cegos diante da existência, fechados em nós mesmos, ficamos atraídos pelo efêmero e deixamos de questionar a realidade. Mas “também no deserto da pandemia, ressurgiram questões frequentemente adormecidas: qual é o significado da vida, da dor, da morte?“.
O homem – escreveu Jorge Mario Bergoglio na ‘Vida de padre Giusani’ – não pode se contentar com respostas reduzidas ou parciais, obrigando-se a censurar ou esquecer algum aspecto da realidade. Dentro de si ele possui um anseio pelo infinito, uma triteza infinita, uma nostalgia que só se satisfaz com uma resposta igualmente infinita. A vida seria um desejo absurdo se esta resposta não existisse”.
Confinamento devolveu forma mais genuína de apreciar a existência
Mesmo sem ter consciência disso, não poucas pessoas foram “em busca de respostas ou mesmo apenas questionaram-se sobre o sentido da vida, a que todos aspiram”.
Assim, ao invés de matar a sede mais profunda a este respeito, o confinamento despertou em alguns a capacidade de se maravilhar diante de pessoas e fatos antes tidos por óbvios. Tal dramática circunstância devolveu, pelo menos por um tempo, uma forma mais genuína de apreciar a existência, sem aquele complexo de distrações e preconceitos que poluem os olhos, sufocam as coisas, esvaziam o deslumbramento e nos distraem de perguntar quem somos.”
Também a experiência da beleza, que muitas vezes compreendemos por meio dos artistas, é decisiva para a existência. “Um mundo sem beleza – dizia Hans Urs von Balthasar – perdeu sua força de sua atração”, levando o homem a se perguntar “por que não deveria então preferir o mal?”
Diante de todo esse contexto, o tema do “Meeting” lança “um desafio decisivo aos cristãos, chamados a testemunhar a atração profunda que a fé exerce em virtude da sua beleza: «a atração de Jesus»”.
Com a experiência da beleza de Deus, sustentar a esperança dos homens
Neste sentido – escreve o cardeal Parolin – o Santo Padre “convida-vos a continuar a colaborar com ele no testemunhar a experiência da beleza de Deus, que se fez carne para que os nossos olhos se maravilhem de ver o seu rosto e os nossos olhares encontrem nele a maravilha de viver.”
“Não seria essa surpreendente descoberta, a maior contribuição que os cristãos poderiam dar para sustentar a esperança dos homens?”, pergunta. “É uma tarefa da qual não podemos nos esquivar, especialmente nesta estreita curva da história. É o chamado a ser “transparências da beleza” que mudou nossa vida, testemunhas concretas do amor que salva, sobretudo em relação àqueles que agora mais sofrem”.
A mensagem conclui com a Bênção Apostólica concedida pelo Santo Padre a toda a comunidade do “Meeting de Rimini”.