O poder de Jesus e a simplicidade do cego

    No episódio da cura do cego de nascença narrado por São João de plano aparecem vários contrastes(Jo 9, 1-41). Jesus viu aquele que estava tomado por duas cegueiras: a do corpo e a da alma. Com efeito, com seu poder divino Ele não só fez o cego enxergar o que estava em seu derredor, como também transmitiu-lhe a capacidade de contemplar as verdades espirituais, fazendo um ato de fé. De fato, depois de responder com admirável simplicidade aos curiosos e aos fariseus seu novo encontro com Jesus o levou a reconhecer no divino Redentor o Messias e exclamou: “Creio, Senhor”. Além disto, não se pode olvidar que,  na penumbra deste mundo, Cristo se apresenta revestido de luminosidade: “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”. Ele veio para iluminar a todos que estavam envoltos nas sombras dos males físicos e espirituais. Aí aparece outro contraste, dado que não é o homem que procura Deus, mas Deus que incansavelmente vem à procura do homem. Ele não cessa de se propor a libertar, sem, contudo, se impor. Do contrário, não haveria nem o júbilo de adesão livre, nem o valor da virtude autônoma. Ele espera, porém, sempre da parte do ser racional esta frase sublime: “Eu te amo, meu Senhor”! Deus chega de mansinho e busca um coração onde se aninhar. Então aquele que crê fica iluminado, clarificado. Pode, como o cego de nascença fazer um ato de fé e a fé é uma luz da inteligência que permite enxergar mais longe e mais profundamente do que os olhos da razão. Ela conduz à visão de Deus e de todas as suas maravilhas. Trata-se de uma visão sobrenatural. Nem se pode olvidar um outro contraste: Jesus cura o corpo para salvar a alma, ou seja,  todo o ser humano. Ele é uma luz divina para salvar  toda a pessoa. Ele sempre se mostrou o médico dos males somáticos como dos psíquicos. Muitos que pensam crer, contudo, são cegos porque presos a seus preconceitos, a suas idéias, a seus sistemas fechados. Assim eram os fariseus que, não obstante tantos milagres realizados por Cristo, nele não enxergaram o Messias, o Unigênito do Pai, o Salvador da humanidade.  Foram até objeto da ironia do cego curado por Jesus. Na sua simplicidade aquele miraculado deu respostas mordazes aos que o importunavam com perguntas até infantis, porque queriam contradizer a evidência dos fatos. Os fariseus eram os verdadeiros cegos porque voluntariamente incrédulos quanto à missão de Jesus e estavam trancados nesta descrença e apegados apenas a infração da lei do sábado por eles mal interpretada. Pela fé raiou a visão interior do cego de nascença e o bem-aventurado Papa João Paulo II dirá que Jesus depois de lhe abrir os olhos da carne lhe abre sua alma para a vista de Deus e seus mistérios”!  Pela fé cada um entra relamente em contato com a luz do mundo interior e se pode proclamar que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus. A quem foi batizado Cristo diz o mesmo que está no profeta Isaías: “Eu te ponho para farol das nações para levares a minha salvação até os confins da Terra” (Is 49,6). De fato, cabe àquele que pela fé contempla as maravilhas de Deus iluminar o mundo, curando os cegos que há por toda parte através da palavra, do exemplo, do testemunho de vida. Diante do verdadeiro cristão quem está a sua volta necessariamente tem que fazer uma opção, pois,  se está no mundo trevoso deve  passar a adorar a Deus em espírito e em verdade e, se está já no mundo luminoso, precisa melhorar sempre mais seu olhar espiritual. É que o verdadeiro cristão mostra que com a luz divina todas as sinistroses podem ser superadas, porque uma luz extraordinária  flui do Amor em Deus. Esta irradiação da fé vai crescendo dia a dia à medida em que a retina do olho interior vai se adaptando sempre mais à luminosidade de Deus. A atenção do ser racional se volta então para ver  não o que é passageiro, material, transitório, mas o que é eterno e imperecível e quer levar esta realidade por toda parte. Muitos então saem da famosa caverna descrita por Platão onde só se enxergam as sombras do mundo real para se imergir  no Ser Supremo como ocorreu com Santo Agostinho a exclamar: “O beleza tão antiga e tão nova, quão tarde eu te conheci, quão tarde eu te amei”. Este conhecimento é a visão pela fé  do próprio Deus no qual, segundo São Paulo “vivemos, existimos e somos”. A vida do cristão deve ser um poema de amor a Deus, que todos possam enxergar.Os santos estão continuamente na presença deste Deus que é luz e, por isto, são os iluminados e muitos só de os ver passam logo  a contemplar o Deus que neles intensamente vive. Eis um ideal a ser conquistado.

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.