Viagem sem volta

                 Dizem que palavras soltas são como palhas ao vento. Pior ainda quando estas nada constroem. Dizem também que vinho desarrolhado vira vinagre. Mas este quando reaproveitado dá certo tempero à vida, se usado em doses homeopáticas. Dizem que a vida é uma viagem só de ida, cujo fim ninguém conhece a não ser chegando lá. Por tudo isso, muitos tentam ignorar esse fim, viajando pelo mundo das drogas.

    Senão, vejamos essa história, a mesma de qualquer viajante anestesiado (a) pelas ilusões de uma vida sem regras, sem peias. Chegara ao fim antes da hora prevista. Porém, sem qualquer embaraço ou vergonha, pois que tudo se lhe resumia em deixar correr o relógio do tempo e acelerar no percurso da viagem. Era essa sua vida.

    Parecia uma viagem sem fim, sem retorno. Baseados nos percalços do caminho que trilhava, poderíamos dizer que seu roteiro era mesmo uma droga. A princípio, prometia muito. Cenários fantásticos, multiformes, coloridos, davam aos viajantes a sensação de uma aventura inesquecível. Todo início de viagem é assim. Os primeiros passos, deslumbrantes. Já ao meio da viagem, sonolência. E, na apoteose de tudo, o fim… Um fim a princípio extasiante, repleto de novas descobertas, aventuras, amigos novos, novos amigos, mas tudo muito rápido, passageiro… Depois, então, sonolência, cansaço, tédio e breu, silêncio e escuridão total. Pronto! Agora é preciso voltar, enfrentar a realidade. Mas qual o caminho da volta?

    Vergonha e embaraço era o que podia enxergar. E ainda dizem que uma cegonha voou por aí, com seu bico de espadachim sempre afiado e pronto para suportar o peso de mais uma vida. Levava consigo a consequência daquela aventura irresponsável, viagem sem meta, qual troféu de uma batalha que se negou a encarar. Mais uma, dentre tantas. Até então, tudo o que fizera, tudo o que planejara nos momentos sóbrios, os propósitos de vida, os ideais, o futuro, o sucesso, tudo se esvaia ao simples lampejo de mais uma aventura com os amigos e amigas, aqueles para os quais a vida se resumia a uma viagem vez por outra. Então, pra que fazer esforço, quando qualquer rio se sepulta no mar perdendo a própria identidade? Pra que evitar um fim comum a todos?

    Sua vergonha, no entanto, só se manifestava nos momentos de sobriedade. Era esta uma faca afiada, que penetrava fundo em sua alma, denegria sua imagem no espelho da consciência e só aumentava a necessidade de repetir a dose, fugir novamente. Um círculo vicioso. Um vai e vem sem rumo. O embaraço maior era diante daqueles que pensava amar, pois lhes devia ao menos a obrigação de uma justificativa contrária à própria filosofia de vida. Filosofia, teoria dos fracos, daqueles que não enxergam a finalidade da existência humana e tentam amenizá-la com suas teorias – dizia pra si.  Pior ópio, a religião, pois que esta só lhe apresentava uma felicidade longe de seu alcance, exigindo sempre o peso de uma cruz que nunca aceitou: a moderação de vida, as regras de um comportamento social ridículo para seu modo de pensar.

    Rejeitava o caminho estreito. Desconhecia a história de vida Daquele que, do alto de sua própria cruz, preferiu a sobriedade, o caminho lúcido da morte passageira. Preferiu o vinagre embebido na esponja da indiferença humana à escassez de solidariedade daqueles que não lhe mataram a sede no momento crucial. O Cristo sóbrio diante da morte! O exemplo maior que podemos citar àqueles para os quais os caminhos largos do prazer e do mundo alucinante das drogas, do sexo sem nexo, da vida sem ida, sem meta, da existência sem consciência… Ah Senhor, o mundo das drogas, a viagem sem volta… Ah, Senhor! Afasta de nós esse cálice!

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