Uma ecologia integral

    Nós humanos somos parte da natureza. Esse é o foco do quarto capítulo da encíclica Louvado Sejas. “Nunca é demais insistir que tudo está interligado. O tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios átomos ou partículas subatômicas se podem considerar separadamente”, diz o papa, que ainda nos lembra: “Boa parte da nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos” (138). Então, não tem como falar de ecologia e deixar de lado o ser humano e suas crises sócio-ambientais “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social” (139).
    Essa novidade no debate ecológico só poderia vir de uma visão transcendental, da qual o papa e a Igreja são possuidores e administradores incontestes. É a mais oportuna contribuição que o mundo poderia receber num momento de crise. Daí o valor dessa contribuição. “Hoje, a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consigo mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e com o meio ambiente” (141). Então o papa denuncia: “Vários países são governados por um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de coisas”. E acrescenta: “As leis podem estar redigidas de forma correta, mas muitas vezes permanecem letra morta” (142). Essa verdade bem conhecemos.
    A preocupação da Igreja prima pela integridade total da obra de Deus: o homem e seu mundo. “Assim como a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico” (144), pois dele somos parte. “O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal” (145). Neste sentido a ecologia se torna integral. “Os ambientes onde vivemos influem sobre a maneira de ver a vida, sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso bairro, usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade” (147). Somos parte do meio. Por isso, “está provado que a penúria extrema vivida nalguns ambientes privados da harmonia facilita o aparecimento de comportamentos desumanos” (149). Por isso a preocupação. “A propriedade da nossa casa tem muita importância para a dignidade das pessoas” (152). “Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os transportes” (153). “Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente” (155).
    Realmente, tudo se interliga. Essa visão global da natureza e o seu mais ilustre habitante, o ser humano, pressupõe respeito ao bem comum. “Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum” (157). Afinal, a vida é nosso maior patrimônio. “Se a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir” (159).
    Será então que já beiramos o fim dos tempos? “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. A atenuação do desequilíbrio atual depende do que fizermos agora” (161). Não é uma tarefa a longo prazo, mas pra ontem, pois a divina criação dá sinais de alerta. “A dificuldade em levar a sério esse desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultural, que acompanha a deterioração ecológica”. Na ecologia integral o maior desastre recai sobre os pobres. “Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro; é suficiente que recordemos os pobres de hoje, que poucos anos têm para viver nesta terra e não podem continuar a esperar (162).