UM MUNDO ABERTO

    “O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude ‘a não ser no sincero dom de si mesmo (87)”. Assim Papa Francisco inicia o terceiro capítulo de Fratelli Tutti, sua mais recente encíclica. Assim Francisco pensa, nos dois sentidos (reflete e cura), dando inicio ao mais polêmico dos capítulos de sua mensagem. Um mundo aberto só é possível com o pensamento e a ação humana, o ideal e a prática, a solidariedade e a cura… “Não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas: nestas atitudes prevalece a morte (id)”.

    Solidariedade é a palavra-chave. “A minha relação com uma pessoa, que estimo, não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo, nem eu vivo apenas relacionando-me com ela (89)”. Essa é a abertura que falta nas relações humanas e, por conseguinte, nas relações internacionais. O mundo só será melhor, mais justo e toleravelmente mais humano, quando suas fronteiras deixarem de ser barreiras separatistas. “Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude, isolando-se (95)”. As sociedades abertas são as que mais integram, pois têm plena consciência de que “cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela minha sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido no mesmo país (97”. Esse é o perigo das fronteiras segregacionistas, aquelas que se fecham à realidade do mundo. “Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo”. Aqui Francisco não veste luvas, mas toca forte na ferida da falsa diplomacia. E vaticina: “Este falso sonho universalista acaba por privar o mundo da variedade das suas cores, da sua beleza e, em última análise, da sua humanidade (100)”.

    Afinal, queremos ser “próximos” ou “sócios”? Queremos liberdade, igualdade e fraternidade, como nos lembra aquela revolução que resgatou a dignidade do povo francês, ou apenas garantir os lucros advindos do nosso egoísmo constitucionalizado? “Aqueles que são capazes apenas de ser sócios, criam mundos fechados (104)”. Sem maiores comunhões dos direitos e deveres coletivos não chegaremos ao mundo novo que sempre sonhamos. Começa com maiores respeitos ao indivíduo que somos no meio. “Se cada um vale assim tanto, temos de dizer clara e firmemente que ‘o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente’ (106)”. Aqui a fraternidade campeia entre liberdade e igualdade. “Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não há lugar para tais pessoas e a fraternidade não passará duma palavra romântica (109)”.

    Chegou a hora de resgatar esse tripé com mais ênfase na solidariedade entre os povos. Começa pela família, “o primeiro lugar onde se vivem e se transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro (114)”, mas não isenta a sociedade, convidada que é a servir e restaurar sua responsabilidade social. “O serviço é ‘em grande parte, cuidar da fragilidade (115)”. Neste sentido, “o mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade (118)”. Então vem a grande verdade: “Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre os países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país (125)”. O usufruto é bem comum. O Papa conclui: “Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio (127)”.

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