UM FANTASMA NA MADRUGADA

                A cena é quase surreal, mas também cômica. Alta madrugada. Escuridão total. Cansados de lutarem contra ondas agitadas e vento impetuoso, faziam a travessia contrariados, mas determinados a alcançar a outra margem, conforme ordens recebidas. De repente, o horizonte riscado por um relâmpago se torna tenebroso e ameaçador. Raios triscam sobre suas cabeças e o vento sopra cada vez mais forte. Está difícil controlar a embarcação e o medo toma conta dos indefesos tripulantes. Eis que, entre um relâmpago e outro, surge no horizonte a silhueta de um homem… um homem caminhando tranquilamente sobre as ondas, seguindo em direção a eles.

                – “É um fantasma!” , gritam quase em uníssono.

    Mas o “fantasma” continua sua caminhada sobre as águas. Vem até eles a passos firmes, enquanto a tripulação em polvorosa solta gritos de terror.

    – “Tranquilizai-vos, sou eu, não tenhais medo!”

    O “fantasma” se dá a conhecer. Jesus não só acalma seus temerosos discípulos, como também desafia um deles.

    – “Vem!”.

    Tinha que ser Pedro, o impulsivo Pedro! Dá seus primeiros passos sobre as ondas, mas logo cai na realidade e afunda como pedra, a pedra que sempre foi. Certamente, a gargalhada foi geral. Não só pelo alívio de se sentirem são e salvos ao lado de Jesus, como também por se verem e se sentirem ridicularizados diante da observação e advertência do Mestre: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” Não só Pedro, mas todos ali se deixaram ruborizar diante dessa afirmativa.

    Nesse barco estamos nós, todos nós. Basta um pequeno solavanco ou um sinal mal interpretado que nos interpele nas noites escuras, para demonstrarmos nossa fé sem raízes, nossa fragilidade limitada pela lógica terrena, para ressuscitarmos os fantasmas adormecidos em nossa racionalidade humana e insegura. Quantos fantasmas rondam nossa fé, atormentam nossos corações, põem à pique nossa integridade espiritual? Tal qual crianças insones com medo da escuridão, que se aterrorizam com a própria sombra ou a canção de uma brisa amena em suas janelas, o sussurrar suave de uma pobre coruja sobre seu telhado… Qualquer sinal, mal definido numa madrugada da vida, é tudo, menos Jesus que vem ao nosso encontro. Essa é nossa fé pequena, agindo em nosso inconsciente. Enquanto isso, a outra margem nos acena com a segurança de uma vida renovada, livre das ameaças de uma travessia difícil e ameaçadora à integridade que sonhamos. Essa é nossa travessia; esse é o barco que nos abriga, conquanto quem nos incentiva a alcançar o outro lado, a margem oposta, apenas nos diz: “Vêm, não tenham medo!”.    

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