Um coração para amar

    Às vezes me pergunto sobre o porquê de o coração ser símbolo do amor. Penso ser o cérebro a matriz mais coerente de qualquer sentimento ou raciocínio humano, pois é ele que nos dá a consciência do existir e aponta as artimanhas do subsistir. Comanda nossas vidas. Gerencia nossos impulsos e coordena nossos passos. Já ao coração cabe apenas o contínuo bombear do sangue e seus nutrientes, levando e trazendo purezas e impurezas. Transforma e revitaliza as energias que nos dão vida. Ah, seria isso?

    Curiosamente, a palavra coração aparece pela primeira vez na Bíblia quando Deus constatava a corrupção humana. “O Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra, e que todos os pensamentos do seu coração estavam continuamente voltados para o mal” (Gen 6,5). “Pensamentos do seu coração”. Aqui já se associava cérebro e coração, dando o constante significado bíblico de que, além de órgão vital, é sim o coração a sede dos sentimentos, sejam estes bons ou ruins. Desde então, o coração tornou símbolo dos mais profundos e sagrados dotes humanos, como igualmente dos mais vis. Ou seja, muitos de nós possuímos um coração apenas para cultivar o ódio, raramente o amor. “Porque em seus lábios não há sinceridade. Seus corações só urdem projetos ardilosos” (Sl 5,10). Ou, como acusava Isaias a respeito da fé do povo de Deus: “Este povo somente me honra com os lábios; seu coração está longe de mim”.

    Já a primeira bem-aventurança cristã inicia abençoando um tipo especial de coração, o do pobre. Os que fazem da pobreza e simplicidade de vida um motivo a mais para louvar e reconhecer a riqueza do dom da vida, os que mesmo na pobreza são capazes de amar, estes possuirão o Reino dos Céus. A soberba, a ambição, o orgulho e todos os demais sentimentos contrários ao bem comum são próprios de um coração endurecido, insensível a Deus e aos irmãos. Este não sabe o que é amar. “Ajuntai para vós tesouros no céu… Porque, onde está o teu tesouro, lá também está teu coração”, ensinou Jesus.

    O mesmo Jesus que era capaz de penetrar os pensamentos humanos e afirmar: “Por que pensais mal em vossos corações” (Mt 9,4). Eis que a razão não supera a voz do coração. Eis que nossos sentimentos se moldam no pulsar leve e suave do coração. Sejam estes preparados ou não para o amor. “Raça de víboras, maus como sois, como podeis dizer coisas boas? Porque a boca fala do que lhe transborda do coração” (Mt 12,34).

    Um coração manso e humilde necessita de cuidados constantes, de boa semeadura, chuvas de graças, podas periódicas. “Quando um homem ouve a palavra do reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado no seu coração” Mt 13,19). O excremento humano é sempre sua sobra mais desprezível, oculta longe de todos ou lançada esgoto afora. “Ao contrário, aquilo que sai da boca, provêm do coração, e é isso o que mancha o homem. Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios…” (Mt 15, 18). Quando aquilo que nossa boca profere ocasionando apenas malefícios e desordem entre nós, melhor pensar ser nosso coração gerador de vômitos, não da Palavra que gera e dá a vida, como ensinou o Mestre. “É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres, mas no começo não foi assim”. No começo, Deus tirou a mulher do lado (do coração) do homem, para fazê-la sua eterna companheira. Deu-lhe um coração para amar.

    De igual maneira, restabeleceu-se esse vínculo ao nos dar Jesus. Este que nos amou até o fim. Este cujo coração transpassado pela maldade humana, dou-nos até sua última gota de sangue, em função de uma prova de amor. “É por isso que dobro os joelhos diante do Pai, de quem toda e qualquer família recebe seu nome, no céu e sobre a terra… Que ele faça habitar, pela fé, Cristo em vossos corações.” (Ef 14 e 17). Que sejamos verdadeiros ao pedir: Jesus, manso e humilde de coração, fazei nosso coração semelhante ao vosso.

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