TOCANDO FERIDAS

                Um dos aspectos mais marcantes dos fatos que alardearam e comprovaram a ressurreição de Cristo está na incredulidade humana, em especial aquela representada pela incredulidade do amigo Tomé. Esse nos representa. Esse, de fato, age como qualquer humano em sua racionalidade imediata, que exige provas, quer ver, tocar, sentir… Estava longe dos fatos, ausente do clima eufórico que permeou o coração daqueles que se deixaram envolver pelos “últimos acontecimentos”, revelações e manifestações dos agraciados pela presença miraculosa de Jesus após sua paixão e morte. “Nós vimos o Senhor, Ele esteve entre nós, Ele vive”!

                Ora, a reação daquele que chegou atrasado, que nada disso testemunhou, não poderia ser outra. “Só acredito vendo; só acredito se tocar suas feridas, sentir a profundidade dos pregos, o corte da lança em seu peito”. Isso ele viu, sentiu, chorou em sua agonia e dor. As feridas que os homens provocaram em Jesus, de certa forma, também foram provocadas e infringidas em seu próprio corpo. Solidário na dor daquele amigo injustiçado e impotente diante de suas fraquezas, Tomé nada pode fazer. Então fugiu acovardado. Ao retornar, para sua surpresa, o clima era outro. Havia alegria invés de tristeza. Havia uma esperança renovada, uma euforia inexplicável, um fato novo: Ele vive!

                Então o amigo da hora tardia expõe sua incredulidade. E manifesta sua solidariedade, desejando tocar, sentir, acariciar as feridas do “bom Mestre” das profundas lições que ainda guardava em seu coração. Foi bom conhece-lo. Foi bom ouvir seus ensinamentos, seguir seus passos, viver com Ele uma experiência de profunda e incondicional amizade. “Já não vos chamo de servos, porém de amigos, porque revelei a vocês tudo aquilo que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15). Como esquecer tão grande prova de amor, tão profundas revelações? Mas o mundo rejeitou essa amizade e condenou suas palavras num martírio de cruz jamais visto na face da terra pelas agruras e sofrimentos impingidos a um inocente. Testemunhou tudo isso com o coração partido, a alma dilacerada pela dor e sofrimento. Ouviu com clareza seu “Consumatum est”, seu brado final. E se afastou arrasado!

                É fato que a dor da perda provoca descrédito, agride a esperança, cria desilusões. É fato também que a reação diante das decepções tem sempre uma exclamação de solidariedade e consternação. “Não é possível! Não acredito! Eu vi, senti sua dor, chorei a cada martelada, ouvi seu último suspiro!” Então o amigo enlutado só acredita se lhe for dada uma oportunidade de “tocar as feridas” do amigo injustiçado. Há aqui algo maior na dor de Tomé. Não é apenas questão de incredulidade, mas também de solidariedade diante dos fatos. Uma reação tipicamente humana, que deixa de lado, momentaneamente, a mística das “boas notícias” para encarar a realidade que nos cerca. Neste aspecto, a incredulidade de Tomé não chega a ser uma negação de fé, mas uma virtude dos que exigem maiores provas. Talvez a grande virtude da mística realista dos homens de Deus. Não condenemos essa fé que exige provas. Ela é maior do que a fé daqueles que tudo aceitam sem questionamentos, a fé “da Maria que vai com as outras”.

                É bom aprimorar nossos conceitos, amadurecer nossa espiritualidade na fé que exige provas. Hoje, mais do que nunca, precisamos desse amadurecimento na fé. Mais do que nunca, o mundo nos questiona e exige provas. Mais do que nunca, Tomé, o amigo que chegou atrasado, diz ao mundo que para viver uma experiência com o Ressuscitado, é preciso também sentir a profundidade de suas feridas. E tocá-las com reverência e devoção, exclamando com alegria: “Meu Senhor e meu Deus”!

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