TERNO E GRAVATA OU JEANS

                A beatificação surpreendente de um jovem italiano, nesta semana, radicalizou pelo ineditismo: venerar como possível santo a imagem de um contemporâneo da era do terno e gravata ou do jeans e tênis. Carlo Acutis usou os dois hábitos e seu corpo incorruptível, apesar dos quinze anos passados desde sua morte, vestia em sua apresentação pública os trajes de um jovem de nossos tempos: calça jeans, blusa moleton e calçados tipo tênis. Além de fotos elevadas aos altares católicos com surpreendentes “raybans” pendurados ao pescoço como bem o fazem nossos jovens. Como imaginar a figura de um venerável ocupando nossos altares em semelhantes trajes?

                Essa é a maior surpresa de sua beatificação, o primeiro passo para uma possível canonização. Surpresa também foi o mérito desse processo rápido e quase inédito, ou seja, o milagre que permitiu tão grande honraria a merecer oficialização canônica da Igreja Católica, foi uma graça concedida a uma criança brasileira. Sabemos o quão rígida é a postura católica num processo desse naipe. Muitos levaram séculos. Outros sequer saíram dos trâmites iniciais. Neste aspecto, a burocracia da causa dos santos é quase uma virtude, pois exige provas contundentes, longas apurações e até vultosos recursos jurídicos, financeiros ou mesmo argumentos da voz contrária (no caso o famoso advogado do Diabo), para se reconhecer ou atribuir santidade ou beatificação a uma alma qualquer. Quanto mais a um jovem, quase criança. Quanto mais quando esse jovem se mescla à massa de uma juventude tida como vazia, distante da espiritualidade tradicional, do mundo eclesial dos muitos beatos e santos que bem conhecemos, da vida recôndita e moderada que imaginamos como modelo de santidade. Onde está a pieguice que muitos veneram, a vida de renúncias e sacrifícios compatíveis com a biografia de um santo?

                Pelo visto, Carlo Arcutti não tinha nada disso. Foi um jovem comum ao seu tempo. Amante da tecnologia, da computação, das redes sociais. Apóstolo, sim, no uso disso tudo. Fez dos recursos de sua era os instrumentos de evangelização de que necessitava. Da sua fé eucarística brotaram as forças que necessitava para apregoar sua fé. Tornou-se o apóstolo da internet, usando essa ferramenta para exercitar e expandir sua vida missionária. Levou seu amor a Cristo e sua Igreja aos milhares de seguidores de sua rede cibernética. Não olhou nos olhos de seus interlocutores, mas sentiu os anseios de seus corações. Evangelizou através da tela milagrosa de um MCS que, fascinantemente, mais aproxima o homem do próprio homem. Bendita tecnologia!

                Tão bendita que a cerimonia de sua beatificação foi vista e tornou-se um acontecimento global que superou em muito a audiência dos grandes acontecimentos mundiais. Tão bendita que exibiu ao mundo a mais significativa e emblemática das ofertas humanas a um altar divino: seu coração incorruptível sendo levado como reliqua preciosa de sua vida de oferenda a Deus e às causas cristãs. Mais ainda: seus próprios pais o apresentando ao celebrante num gesto de entrega total do filho que um dia geraram. No alto do relicário podia se ler: “Eucaristia a minha autoestrada para o céu”. Era essa a sua fé.  Desconheço cerimonia similar a essa em qualquer outro processo de beatificação ou santificação dos milhares de santos e santas elevados aos altares da fé católica.

                Carlo Acutis nos prova a possibilidade de vida santa em qualquer época ou lugar, com os recursos que temos ou as limitações que a vida nos impõe. Basta-nos a graça. Buscar a santidade é vocação cristã. E, para tanto, o jovem Carlo, para quem “a tristeza é o olhar voltado para si mesmo”, revelou seu segredo: “Estar sempre unido a Jesus é o meu projeto de vida”. Isso todos nós podemos fazer. E ser.

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