Sofrimento é castigo de Deus?

E os males lançados contra nós pegam ou não?

Há quem pense que os males físicos ou morais são castigos de Deus. Isso, contudo, não é real, conforme ficará claro neste artigo.

Diga-se, logo de início, que o mal é, por definição filosófica, a ausência de um bem necessário. Sim, ele (o mal) não tem existência própria, mas nasce da falta de algo que deveria existir, e não existe ou, então, existe, mas falha em algum momento. Assim, as trevas só são percebidas quando falta luz, a doença aparece na falta de saúde, a debilidade vem no declínio das forças etc. Nem toda ausência é, no entanto, má: a carência de olhos em uma árvore não é um mal (eles não lhe são necessários), mas no ser humano, por exemplo, é (ele precisa dos olhos).

O mal pode ser físico ou moral. É físico se há carência material (doenças, misérias, cataclismos etc.) e moral quando decorre de desvios da reta ordem no comportamento do ser humano, única criatura responsável por seus atos, fazendo nascer os vícios, pecados, imperfeições etc. Em ambos os casos, provêm da criatura: no mal físico, vem da própria natureza dos seres (um vulcão, por exemplo); no plano moral, surge do abuso da liberdade humana (dá-se, por exemplo, aval ao pecado do aborto).

Aqui, surge uma questão crucial: É Deus o autor dos males? Por que não os impede? – A Filosofia e a Teologia respondem que Deus – Perfeito, Absoluto e Eterno – não pode ser o autor, direto ou indireto, do mal. Este decorre sempre da criatura, imperfeita, relativa e temporal. O Senhor pode impedir todo mal, mas não quer fazê-lo a fim de não interferir, artificialmente, nas leis naturais. Não permitiria, no entanto, o mal, se não fosse para tirar dele bens ainda maiores, de acordo com Santo Agostinho de Hipona (Enchiridion, 38). Sim, todo sofrimento, por mais penoso e incompreensível que seja, é uma escola de crescimento humano e espiritual a quem dele sabe aproveitar (cf. Richard Gräff. O cristão e a dor. S. Paulo: Quadrante, 2007).

Alguém indagaria: se Deus não castiga, por que o Antigo Testamento tem várias passagens dando a entender o contrário? – Porque, no pensamento comum da época, não se distinguia o que Deus fazia ou apenas permitia acontecer. De tanto querer exaltar a Deus (ao contrário de alguns, hoje, que desejam desprezar o Senhor) faziam-No autor de tudo, até do mal. Isso, no entanto, não é real, conforme foi sendo, dentro da lenta e sábia pedagogia da Revelação, entendido (cf. E. Bettencourt, OSB. Descobrindo o Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2005, p. 101-112). O mal físico ou moral provém das falhas das criaturas limitadas, como dito.

O ser humano, no entanto, pode punir a si mesmo por falhas próprias. Seria o caso de alguém que prefere ser fumante mesmo sabendo dos riscos que o cigarro traz à saúde. Um câncer ou enfisema pulmonar não viriam como consequência do seu ato de fumar? O desequilíbrio no meio ambiente não é uma resposta da natureza às agressões a ela infringidas?  Há um provérbio que diz: “Deus perdoa sempre, o ser humano, às vezes, a natureza nunca”. Isso ajuda a entender melhor alguns (mas nem todos) males recorrentes.

Mesmo com tudo isso posto, há quem imagine que a doença ou outros incômodos são castigos devido a algum pecado cometido pela própria pessoa ou por um antepassado. O Evangelho desmente essa concepção: diante do cego de nascença, perguntam a Jesus: quem pecou, o cego ou os pais dele, para que ele nascesse sem enxergar? – Jesus diz que nem ele, nem os pais pecaram (o problema nada tinha a ver com o pecado). Mais: aquele mal (a cegueira) se converteu em bem (a manifestação da glória divina com a cura do cego), cf. Jo 9,1-2.

E os males lançados contra nós pegam ou não? – Não pegam. Podem atingir a quem tenha medo deles, não por terem força em si mesmos, pois não têm poder nenhum, e, sim, porque a própria pessoa se sugestiona (“encuca”) e crê que o mal é mais forte que Deus. Ora, isso é pecado. Nada pode vencer a Deus. Portanto, coragem! Não se importe com o mal, pense no bem, tenha fé e nada o (a) atingirá. Isso é o que Deus mesmo promete em sua Palavra (cf. Rm 8,31-37).

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