Sepultar os mortos e rezar por eles

    Em nossa Carta Pastoral indicamos para este ano jubilar uma obra de misericórdia por mês. Na clausura do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, na nossa Arquidiocese no dia 12 de novembro, com a Festa da Unidade; e, em Roma, no consistório que participaremos no dia 20 de novembro com o Papa Francisco, queremos apresentar a última sugestão deste ano: Sepultar os mortos e rezar por eles. (Cf. Jo 11,1-45).
    A morte é a separação do corpo e alma, que se dá em virtude do desgaste da corporeidade da pessoa. Tal fenômeno é natural aos olhos da biologia. Todavia, aos olhos da fé, é complexo. (BETTENCOURT, 1995).
    Ao criar o homem, Deus conferiu-lhe o poder não morrer (cf. Gn 2,17); a criatura, porém, perdeu esse dom em consequência do primeiro pecado, de modo que a morte hoje existe no mundo como sanção devida ao pecado. (Cf. Gn 3,19; Sb 1,13s; Rm 5,12) (BETTENCOURT, 1995).
    Na plenitude dos tempos, Jesus Cristo, assumindo a morte do homem, ressuscitou. Dessa maneira, transfigurou a morte, fazendo dela a passagem para a re-criação e a vida nova do homem. (Cf. Hb 2,14s; 2Tm 1,10) (BETTENCOURT, 1995).
    Pelo Batismo e a Eucaristia, o cristão é inserido em Cristo (cf. 1Cor 12,12; Jo 15,15) e recebe uma semente de vida nova ou o princípio de nova criatura; prepara-se para morrer e ressuscitar com Cristo. (Cf. Rm 6,1-11; 2Cor 4,7-18) (BETTENCOURT, 1995).
    Pode-se dizer que o cristão não morre propriamente, mas paralelamente; ao definhar do velho homem há nele todos os dias o robustecimento da nova criatura: “Enquanto o nosso homem exterior vai definhando, o nosso homem interior vai-se renovando dia a dia”. (Cf. 2Cor 4,16; Jo 11,25s; 2Tm 2,11-13) (BETTENCOURT, 1995).
    Estas verdades nos sugerem a genuína atitude do cristão diante da morte: este é o último chamado que Deus nos dirige, e que havemos de aceitar com humildade e adoração. Cada um dos nossos atos deixa uma marca em nossa personalidade; ora, a morte não faz senão manifestar definitivamente essa configuração interna do indivíduo. Os últimos instantes, portanto, não são algo de essencialmente novo na existência do homem, mas, preparado pelas fases anteriores, constitui o seu desabrochar orgânico (BETTENCOURT, 1995).
    A morte termina a vida do homem como tempo aberto ao acolhimento ou à recusa da graça divina manifestada em Jesus Cristo. A salvação vem para o homem não pelas suas obras, mas pela graça infinita de Deus, que é concedida a todos os homens desde a eternidade. (BETTENCOURT, 1995).
    Em Jo 1,1-45, Ressurreição e Luz são dois temas intimamente ligados, porque são sinônimos da salvação: “Se alguém caminha de dia, não tropeça; mas tropeçará, se andar de noite”. (Cf. Jo 11,10). O tema central do Evangelho é a vida. Vida que foi restituída a Lázaro e que está ligada à amizade, ao amor fraterno, à compaixão, atitudes cristãs que estão presentes na glorificação de Deus, que é o destino dos homens e mulheres que creem verdadeiramente. A vida verdadeira, que o Cristo trouxe, tem face humana e face divina, que se misturam.
    A ressurreição de Lázaro é um dos maiores sinais de Jesus. Jesus, assim, vai manifestando a sua filiação divina, seu poder messiânico, sua missão salvadora, e provoca, cada vez mais, a admiração, a fé, o testemunho daqueles que são beneficiados pela sua ação evangelizadora. O próprio Evangelista João anuncia que Jesus “fez muitos outros sinais, e que estes sinais foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, em crendo, tenhais a vida”. (Jo 20,30-31).
    Jesus afirmou: Eu sou a Vida, Eu sou o Pão da vida, Eu sou a Luz do mundo. Jesus veio ao mundo para despertar a criatura humana do sono. E esta vida nova só será possível àqueles que viverem, com dignidade, a grandeza do seu Batismo. Aderindo a Cristo, o batizado deve viver uma vida realmente nova, animada pelo espírito de Cristo. A vida da fé batismal se verifica, se atualiza, por exemplo, quando ela transforma a sociedade de morte numa comunidade viva de vida, de fraternidade e de comunhão.
    Como Lázaro, acolhamos a ordem de Jesus: “Sai para fora”. Peçamos ao Senhor que nos desperte e ressuscite do sono da morte e nos revista da Sua imortalidade. A fé, entretanto, sempre nos levou a crer que muitas pessoas, apesar de imperfeitas e manchadas, não se distanciaram de Deus por uma absoluta prevaricação. Estas pessoas, após a morte, devem ser purificadas. Então, haverá pecados que possam ser perdoados, ou de que possamos nos purificar após a morte? Foi o que ensinou Jesus: “Se alguém disser blasfêmia contra o Espírito Santo, nem neste mundo, nem no outro isto lhe será perdoado”. (Mt 12, 32). Do que inferiu o 1º Concílio de Lião: “disto se dá a entender que certas culpas são perdoadas na presente vida, e outras o são na vida futura”, e o Apóstolo disse que a obra de cada um, qual seja, o fogo a provará e aquele cuja obra arder ao fogo, sofrerá; mas ele será salvo, porém, como quem o é através do fogo. (I Cor 3, 13 e 15).
    Sempre ensinou também a Igreja Católica que aos mortos que devem ser purificados, muito ajudam os sufrágios, preces e sacrifícios dos irmãos vivos, visto o imenso tesouro da chamada “comunhão dos santos”. Para ensinar esta doutrina, a Igreja sempre se amparou no texto bíblico do 1º Livro dos Macabeus 12, 38-45, que assim conclui: “É, pois, santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados”. Este é o motivo de nossas orações pelos falecidos.
    O Catecismo da Igreja Católica diz, ao expor esta matéria: “Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do Céu”. (nº 1030).
    Rezemos neste mês de novembro pelos falecidos. Dai-lhes, ó Senhor, o descanso eterno, e a luz perpétua os ilumine. Descanse em paz! Amém.

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