“O Dom da Vocação Presbiteral” (I)

    A Congregação para o Clero publicou, no dia 8 de dezembro último, um denso documento com o título O Dom da Vocação Presbiteral: Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, visando a ajudar a formação para o ministério presbiteral em toda a Igreja, dado que o último Documento desse teor já completou 30 anos de publicação. Daí a razão, de minha parte como primeiro responsável pelos Seminários Arquidiocesanos, de uma reflexão que nos ajude a acolher com alegria esse documento, colocando-o em prática em nossa Arquidiocese. Essa é uma primeira abordagem.

    Este documento visa propor um sério caminho de desenvolvimento à formação dos futuros presbíteros e, por isso, chama à responsabilidade todo o universo da Igreja, as Conferências Episcopais de cada País, bem como as respectivas Dioceses. Afinal, é preciso dizer que a formação sacerdotal sempre foi uma constante preocupação na vida eclesial. Basta lembrar, mais recentemente, dois documentos referenciais: a Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, de 25 de março de 1992, de São João Paulo II, e o Motu Proprio Ministrorum Instituitio, de 16 de janeiro de 2013, publicado pelo Papa Bento XVI.

    Ambos os documentos deixam entrever que não basta apenas a importante formação dada aos seminaristas, candidatos ao sacerdócio ministerial, mas faz-se muito oportuno manter a formação contínua dos padres. Essa necessidade, talvez mais difícil de conseguir em grandes dioceses, deve, no entanto, ser buscada sempre mais. O Papa Bento XVI, nesse ponto, deu um grande passo que o Papa Francisco vem seguindo: passar à Congregação para o Clero não só a formação permanente dos padres, mas também a dos seminaristas.

    Feita uma primeira redação da Ratio Fundamentalis, no início de 2014, pela Congregação para o Clero, foram ouvidas as várias outras Congregações da Santa Sé competentes no assunto, bem como as Nunciaturas Apostólicas e as Conferências Episcopais, dentro do espírito sinodal da Igreja, a fim de se ter um Documento que fosse o mais completo possível. Todas essas consultas culminaram com um Congresso Internacional, de 19-20 de novembro de 2015, quando dos 50 anos dos Documentos Conciliares Optatam Totius e Presbyterorum Ordinis, ocasião em que cardeais, bispos e especialistas puderam oferecer novas, oportunas e importantes contribuições ao tema.

    De tudo isso nasceu o presente Documento, que foi analisado na Congregação para o Clero, competente no assunto, bem como por mais dez Dicastérios da Cúria Romana, até ser apresentado em definitivo ao Santo Padre para sua aprovação final, de modo que O Dom da Vocação Sacerdotal foi dado a lume em 8 de dezembro último, com toda a sua riqueza. Tentarei, resumidamente, apresentá-lo nesta série de artigos.

    De acordo com o Documento ora apresentado, a formação sacerdotal deve sempre contemplar quatro grandes pontos. Há de ser: única, integral, comunitária e missionária, e nunca pode desprezar o caminho do discipulado já feito pelo candidato antes de ingressar em um Seminário ou Casa de Formação, dado que desde o Batismo somos formados para o serviço a Deus e aos irmãos e irmãs. O sacerdote é um dom para a Igreja, a fim de se santificar e santificar a outros em sua missão presbiteral.

    O formando há de ter em conta que fará parte de uma nova “família”: o presbitério. Nela desenvolverá sua missão como enamorado do Cristo e, ao mesmo tempo, como pastor com “cheiro das ovelhas”, a fim de conduzir essas mesmas ovelhas à misericórdia de Deus. Disso decorre que cada padre nunca pode se sentir totalmente pronto, mas, sim, um discípulo a caminho, carente da formação integral capaz de levá-lo a mais e melhor configurar-se a Cristo Jesus, o Sacerdote por excelência. Aqui estaria o grande segredo de uma séria participação na formação permanente. Quando se chega a essa conclusão, sentirá a necessidade de encontrar-se para continuar a formação.

    Ainda que haja o grande destaque para essa necessária formação permanente, o Documento se volta para a preparação seminarística, distribuída em quatro etapas: a propedêutica, a filosófica, do discipulado, a teológica, da configuração ao Senhor, e a da pastoral, que é como que a síntese vocacional a ser desenvolvida pelo resto de sua vida. Vale notar que, a partir de 1990, por ocasião do Sínodo dos Bispos, a etapa do chamado Propedeutico foi deveras valorizada, de modo que a maioria das Dioceses passou a implantá-la, mesmo para as vocações já mais adultas.

    Interessante que o atual Documento fala de uma formação filosófico-teológica a durar seis anos, pois leva em conta que se deva fazer, no mínimo, dois anos de Filosofia (é praxe em grande parte das nossas Universidades serem 3 anos) e quatro (não três, como ocorre em algumas Faculdades) de Teologia. Deixa claro, no entanto, o Documento que, apesar de muito valorizar os estudos ou o aspecto intelectual, não só eles são necessários. É preciso que o candidato às Ordens Sacras tenha alcançado também um grau de maturidade humana e vocacional requerido em cada fase.

    Vem a seguir o chamado “estágio pastoral”, que, via de regra, é feito a partir da própria Filosofia ou ainda do Propedêutico, mas em algumas Dioceses – e aqui parece contemplar este aspecto específico – trata-se de um ano após o término da Filosofia e da Teologia, ou seja, dos estudos acadêmicos, no qual o candidato passa trabalhando e residindo em uma paróquia, acompanhado pelo pároco; só depois dessa fase de estágio é ordenado diácono e padre.

    A Ratio não prevê uma agenda própria e prévia para a formação de cada Diocese em sua formação permanente; deixa a cargo do Bispo e da equipe de padres esta importante área, mas dá normas precisas no quesito da formação dos seminaristas, com detalhes relevantes do que precisa ser estudado em cada etapa formativa, desde a fase propedêutica à teológica. É necessário, pois, se ater aos pontos teológico, espiritual, canônico e pedagógico a fim de se ter uma formação integral e integrada.

    Poderia se perguntar: qual é o alcance ou a abrangência desse Documento? – A resposta é a seguinte: ele tem alcance em toda a Igreja de modo total, mas se aplica de forma parcial em algumas situações específicas, como aquelas regidas pela Congregação para a Evangelização dos Povos, a Congregação voltada para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, bem como as da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, os Ordinariatos militares ou Prelazias pessoais, nas quais o Ordinário tem um papel fundamental. Portanto, entenda-se aqui Ordinário não só como sendo o Bispo, mas também os Superiores Gerais. Ademais, fica excluída dessa Ratio as Igrejas Orientais em comunhão com Roma, pois hão de elaborar Ratio semelhante a partir de sua cultura religiosa e social.

    Propostos esses dados amplos e gerais da Congregação para o Clero, cada Conferência Episcopal, no nosso caso a CNBB, é chamada a compor uma Ratio Nationalis própria e, depois de ouvidos os Bispos todos, enviar – o mesmo vale para as emendas posteriores – à aprovação da referida Congregação romana. Cada Ratio pode prover suas necessidades de acordo com os meios e costumes locais, ouvida a Comissão Episcopal para o Clero e para os Seminários, sem, no entanto, fugir às normas do Código de Direito Canônico.

    É fundamental que cada Ratio nacional contenha uma descrição sumária do contexto social, eclesial e cultural no qual o futuro padre atuará; um eventual acordo firmado pelas Conferências Episcopais sobre os seminários do país; as indicações sobre os instrumentos utilizados na Pastoral Vocacional; os cuidados na dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral, e os dados detalhados da formação propedêutica, filosófica e teológica, incluindo os créditos de cada matéria trabalhada. Poder-se-ia ainda pensar a formação em nível continental, no nosso caso do Celam, e dentro de tudo isso cada Bispo elaborará um Diretório Formativo à sua Diocese.

    É belo e denso documento que nos ajuda – e muito – na missão formativa dos seminaristas e do clero. Continuaremos essa reflexão.

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