Sem medo de ser feliz

    Saber viver exige mais que instintos de sobrevivência. Exige tato, sensibilidade, astúcia, discernimento. E muito mais. Seria desnecessário aqui mencionar todas as exigências para uma vida saudável. Qualquer animal tem seus princípios de sobrevivência. Nenhum ser vivo deixa de lado esses princípios, quando a natureza já lhe ensina que a vida se preserva com seus cuidados, respeito e conhecimento do meio em que se vive. No mundo animal é claro esse comportamento. Mas entre nós, humanos, como é?
    Os fatos nos deixam dúvidas. Há muitos que concordam com o genérico mundo cão. Como se os caninos se portassem como nós, animais racionais dotados de discernimento e…, talvez, espiritualidade. Esse “talvez” vem pelo fato da grande bestificação que a vida humana carrega hoje em seu dorso. São gritantes as diferenças entre os animais irracionais (que se respeitam e não desdenham da astúcia do inimigo) e esse animal bípede cuja racionalidade às vezes colocamos em dúvidas. Afinal, onde quero chegar com esse pessimismo todo? Talvez a um mínimo de coerência, um hiato de esperança.
    Citei espiritualidade. Os céticos prefeririam outros adjetivos: bom senso, civilidade, ética, respeito humano, humanismo, etc. Mas teimo em espiritualidade, porque esse é nosso avesso, nosso outro lado, a segunda definição do animal humano: ser possuidor de um corpo e uma alma, matéria e espírito. Quase não se fala, nem se pensa nessa dualidade humana com a seriedade e o respeito que o assunto merece. Muitos já se esqueceram dessa identidade que nos privilegia no mundo animal e, a grande maioria, dela nem sequer ouviu falar. Religião, catequese, transcendência tornam-se tabus nas rodinhas sociais. As escolas estão proibidas de tocar no assunto. Nossas crianças estão crescendo sem um referencial de espiritualidade. Uma parcela mínima do mundo moderno ainda aceita o assunto, segue algum princípio religioso de maneira muito vaga, confusa, e às vezes deturpada. Quando muito, no mundo cristão subsistem pequenos esforços paroquiais, onde a própria catequese ainda sobrevive, mas em precárias condições. Basta um olhar nas estatísticas sempre decrescentes de jovens e crianças levadas ao batismo ou qualquer outro sacramento cristão. Casamento religioso torna-se, dia a dia, uma cerimônia rara. Assim também a comunhão, o crisma – para citar o ritual católico. Noutras religiões a espiritualidade perde para assuntos como prosperidade, saúde, sucesso no amor, etc.
    Enquanto isso, o mundo virtual toma conta. As relações interpessoais só acontecem em baladas, clubes disso e daquilo, academias que endeusam os corpos e – quase forçosamente – em escolas, faculdades, campo de trabalho. São relações ocasionais. Quase não deixam laços afetivos, a não ser onde o interesse pessoal e as associações que proporcionem “benefícios” escusos, tais como uso de drogas, práticas de delitos, sexualidade sem compromissos justifiquem uma relação (esta nunca estável ou positiva). A espiritualidade humana está soterrada pela individualidade que tomou conta. O mundo corre atrás de um prejuízo, mas poucos conhecem sua causa: estamos perdendo nossa maior riqueza: o ser espiritual. Sem isso, nos rebaixamos a seres inferiores aos animais, temerosos, inseguros, claudicantes na vida. “Onde não há sabedoria da alma não há bem; e quem anda precipitado, tropeçará” (Prov 19, 2). Sem a vida do espírito nada somos, nada seremos. Sem um mínimo de respeito ao ser espiritual que grita dentro de nós, a barbárie que hoje assombra o mundo dos homens será nossa pedra de tropeço final. Se você deseja vida plena, feliz, alimente sua espiritualidade.

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