Sejamos santos para ganharmos o céu!

             Depois de termos celebrado ontem a confiança na vida eterna, com a comemoração de todos os fiéis defuntos, no Brasil – por razões pastorais – a Solenidade de Todos os Santos e Santas é transferida para o domingo – para que possamos tomar consciência da importância da santidade na vida de todos os católicos. Alegremo-nos no Senhor nesta liturgia em que celebramos numa só festa, os méritos da multidão dos que já vivem em plenitude as bem-aventuranças. Nosso louvor e ação de graças neste Domingo, no qual celebramos os Santos e as Santas, os canonizados, e aquela imensidão de santos anônimos que só a Divina Providência conhece. São os Santos que se juntam aos Santos Apóstolos, Mártires, Profetas e de todos os homens e mulheres que, na fidelidade evangélica, deram testemunho da vida e do amor de Jesus Cristo. Deus é sempre santo e sua santidade é compartilhada conosco, seus filhos e filhas, que estamos na caminhada da vida. Por isso, na liturgia de hoje, celebramos aquele artigo de nossa profissão de fé: “creio na comunhão dos santos”. A Igreja é santa, pois é Corpo do Senhor; Ele a ama como Esposa dileta. Desse modo, a santidade cristã não é resultado da soma dos esforços humanos; ela é dom de Deus à pessoa que responde generosamente ao seu Senhor.

             A santidade daqueles que são de Cristo se manifesta como participação na vida de Deus: buscamos e desejamos a santidade, pois o Senhor, nosso Deus, é Santo.

    Na Primeira leitura – Ap 7,2-4.9-14 – Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão. As primeiras perseguições tinham feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear diretamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilônia. A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! Manifestam-se, nesta leitura, tanto a multidão daqueles que lavaram e alvejaram sua vestes no próprio Cristo (Ap 7,14b) – bela imagem da Igreja nascente – quanto a universalidade da salvação, expressa na diversidade (Ap 7,9).  O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.

    Salmo responsorial: no salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.

    Na Segunda leitura – 1Jo 3,1-3 –: Desde o nosso batismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marcada da eternidade. Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois, desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser? A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele. Em Jesus Cristo, fomos elevados à dignidade de filhos de Deus. Ser filho do Senhor significa estar em comunhão com Ele, além de participar e resplandecer sua santidade.

    No Evangelho – Mt 5,1-12 –: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles. Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o “Reino”. Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o “Reino” e a sua lógica. Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos “ditos” de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta “ditos” e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco. O primeiro discurso de Jesus – do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte – é conhecido como o “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus colecionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus. Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”.

    As “bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.

    As Bem-aventurança promete alegria sem fim àqueles que temem ao Senhor. A recompensa do cristão pelas dificuldades enfrentadas neste tempo não se dará neste um do, mas na eternidade: “bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).

    As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Batismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem, são efetivamente formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro, tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, consequentemente, à morte. Mas que pensa Cristo? Ele, ao contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.

    Em Jesus, a santidade é possível. Todos os que o seguem estão destinados à felicidade, isto é, à participação no banquete eterno. A imagem do banquete expressa justamente a alegria plena da festa. Ser santo é se deixar contagiar pela alegria e ser amado por Deus.

    Os santos de todos os tempos e lugares foram pessoas felizes, e sua felicidade consistia em se alegrar com a alegria dos outros. Às vezes, a iconografia nos apresenta imagens de santos estáticos, com olhares lânguidos e mãos postas. No entanto, os santos e santas foram pessoas movidas pela coragem de contestar os esquemas cruéis que roubam a alegria da vida.

    A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem-amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.

    Que todos nós possamos desejar e viver a santidade no cotidiano de nossa vida. Ser santo é ser “bem-aventurado”. Que o amor de Deus e a caridade de Cristo nos impele a fazer a vontade de Deus para que um dia possamos entrar no céu. Sejamos santos para ganharmos o céu!

    + Anuar Battisti

    Arcebispo Emérito de Maringá, PR

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