A palavra de Deus deste XXII Domingo chama atenção para o modo como o cristão é chamado a viver sua prática religiosa: com sinceridade diante de Deus, humildade e amor para com os outros, e não de forma legalista, fria e autossuficiente. Com efeito, Jesus critica duramente os escribas e fariseus que vieram de Jerusalém para observá-lo e questioná-lo. Qual é o problema deles? Certamente eram homens piedosos e queriam seguir a Lei de Deus. O problema era o espírito com o qual faziam: extremamente legalista. Vejamos:
A lei de Deus (expressa na Torah) é santa: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir… Nada acrescentareis, nada tirareis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus…” (1a. leitura). Ora, o zelo dos fariseus e dos escribas eram tais e com uma mentalidade de tanto apego à letra pela letra, que se tornaram extremamente legalistas. Eles diziam: “Façamos uma cerca em torno da Lei”, ou seja, criaram pouco a pouco um número enorme de preceitos para evitar qualquer desobediência, ao menos remota, à Lei. Preceitos humanos que foram obscurecendo a pureza da lei de Deus e sua característica de ser sinal de amor.
Por exemplo: A Lei dizia que o castigo não poderia ultrapassar as quarenta varadas. Os fariseus permitiam somente trinta e nove, para evitar qualquer perigo de ultrapassar a conta da lei. A Lei proibia o trabalho no sábado. Os escribas e fariseus insistiam que até carregar o instrumento de trabalho no sábado era já um pecado: o alfaiate não poderia carregar sua agulha no sábado. A Lei prescrevia abluções (banhos rituais para o culto) só para os sacerdotes. Os fariseus queriam impô-las a todo o povo. A intenção era boa…. Mas o resultado, não: tornava a religião algo pesado, legalista e apegado a tantos detalhes que fazia esquecer o essencial: o amor a Deus e ao irmão! Os preceitos humanos obscureciam a intenção divina!
Jesus censura também os escribas e fariseus pela incapacidade de distinguir entre o essencial e o secundário; em discernir o que vem de Deus e o que é meramente prática e tradição humanas, talvez boas e louváveis, mas não essenciais. Em matéria de religião, nem tudo tem igual valor, nem tudo tem a mesma importância. A medida de tudo é o amor: o amor é a plenitude da lei (Rm 13,10); só o amor dá sentido a todas as coisas!
Outro motivo de crítica é que uma religião assim, apegada a preceitos exteriores, torna-se desatenta do coração, sem olhar a intenção com que se faz e se vive. Cai-se na hipocrisia (a palavra hipócrita vem de hypokrités = ator teatral): uma religião meramente exterior, sem aquelas atitudes interiores, que são as que importam realmente: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam”! (Evangelho). É muito sério se a atitude exterior (lábios) não combinar com o interior (coração)! As práticas externas valem quando são sinal de um compromisso interior de amor e conversão em relação a Deus. É importante observar que Jesus não condena as práticas exteriores, mas a sua supervalorização e a sua atuação sem sinceridade: “Importava praticar estas coisas, mas sem omitir aquelas”. (Mt 23,23).
Há também o perigo da autossuficiência: a pessoa sente-se segura de si mesma por causa de suas práticas: “Estou em dia com Deus”! O homem nunca está em dia com Deus. Pensar assim é deixar de perceber que tudo é graça e que jamais mereceremos o amor que Deus nos tem gratuitamente. Sem contar que tal atitude nos leva, muitas vezes, a nos julgar melhores que os outros, desprezando os que julgamos mais fracos ou imperfeitos! Era exatamente o que ocorria com os fariseus: “Este povo que não conhece a lei são uns malditos”! (Jo 7,49); “Tu nasceste todo no pecado e nos ensinas”? (Jo 9,34); “Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano”! (Lc 18,11). É interessante comparar estas atitudes com as que São Paulo recomenda aos cristãos em Rm 12,3-13.
Jesus convida a ir ao essencial: vigiar as intenções e atitudes do nosso coração, pois “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Evangelho). Com um coração puro, poderemos reconhecer que tudo de bom que temos é dom de Deus (“Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vem do alto; descem do Pai das luzes!” – 2a. leitura) e que, diante dele, somos sempre pobres e pecadores, necessitados de sua misericórdia. Isto nos abre de verdade para o amor aos outros e para a compaixão: somos todos pobres diante de Deus: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”.