Durante as Olimpíadas Rio 2016, uma palavra provocou verdadeiro reboliço entre jornalistas estrangeiros: saudade. Quando a viram em destaque no gramado do Maracanã, tentaram traduzi-la, mas não encontraram um sinônimo correspondente em suas respectivas línguas. O mais próximo que conseguiram foi “sentimento nostálgico de algo ou alguém ausente”. Isso porque saudade é uma exclusividade do nosso idioma.
Mas não é só desse privilégio que me ocupo agora. Há ainda a questão da existência ou não do plural nesta palavra, já que para alguns autores em se tratando de um sentimento não lhe cabe plural. Outros o aceitam com naturalidade, pois que saudades temos muitas. Cabe aqui a opinião do prof. Pasquale. Singular ou plural, a verdade é que esta sempre nos incomoda, pois recorda-nos algo que um dia passou em nossas vidas. Se esta nos remete à ausência de uma pessoa, então sim, chega a doer e às vezes nos provoca lágrimas. Com ou sem plural. Pois a dor e o amor caminham juntos, especialmente quando o vazio de uma ausência cava e aprofunda as valas de uma separação.
Pe. Zezinho bem define esse sentimento, em uma de suas canções: “Essa fome de felicidade é saudade do Infinito, é saudade que a gente tem”. Se tenho dentro de mim a dor de uma ausência, tenho também amor. Sentir saudade de alguém é descobrir o amor, pois só sente saudades quem está amando. O amor é infinito. Não escolhe pessoas, apenas quer estar com elas, viver com elas, apossar-se delas, tê-las sempre presente. Basta a distância ou a separação brusca com a qual a vida sempre nos surpreende, para descobrirmos a saudade, o amor. Assim, saudade não tem idade, não escolhe pessoas, nem privilegia situações. O povo de Deus, uma vez liberto da escravidão do Egito, sentiu saudades de suas cebolas. Atravessando um deserto de carências e provações, trocariam o desconforto de uma caminhada incerta pela segurança do estomago saciado e um leito para seus sonhos.
Assim ainda teimamos. Os mimos do passado nos impedem de enxergar dias melhores no futuro. Quem vive apenas de recordações, estaciona, não cresce num relacionamento afetivo ou mesmo humano. Um escritor brasileiro, Rubem Alves, contou-nos um belo apólogo, escrito para sua filha de quatro anos, que chorava antecipadamente de saudades, diante da perspectiva de uma viagem prolongada que o pai faria.
Disse-lhe: “Uma menina amava um pássaro encantado que sempre lhe contava histórias. Ao final, dizia: ‘Tenho que ir’. Mas a menina não o deixava partir. Então o pássaro lhe disse: ‘Menina, aprenda que só sou encantado por causa da ausência. É na ausência que a saudade vive. Tenho que partir para que a saudade exista’. Ardilosa e possessiva, a menina resolveu prender o pássaro numa gaiola. Então esse emudeceu-se, não mais cantou, nem lhe contou histórias. O pássaro que ela amava era um pássaro que deveria voar livre e voltar quando quisesse. Então ela soltou o pássaro, que voou para longe”.
Saudade dói às vezes, mas não aprisiona, nem impede novos voos, mesmo que estes busquem a eternidade. Quem ama, recorda, revive, mas não deixa que a saudade seja uma gaiola dourada, onde fenecem os voos de muitos pássaros encantados. Se a viagem que nos separa foi selada com a morte, lembre-se: Vivem os mortos na saudade dos vivos. A ausência é também uma morte, na qual só há superação se acreditarmos num reencontro. Jesus, ao se despedir dos seus, deu-lhes o sacramento da saudade, a Eucaristia, dizendo que o recordassem sempre, que repetissem os gestos daquela partilha de amor, em sua memória. Tristeza e saudade caminhavam juntas. Jesus a suprimiu com uma promessa: continuarei convosco! E partiu.