São Bernardo de Claraval, monge cisterciense e doutor da Igreja

             São Bernardo de Claraval, celebrado no dia 20 de agosto, é monge cisterciense e doutor da Igreja. Ele, a justo título, pode ser considerado cofundador da Ordem Cisterciense – depois de São Roberto, Santo Alberico e Santo Estêvão Harding, dado o seu empenho por revitalizá-la num tempo de grande crise de vocações – e também o pai do movimento místico que, com segurança, podemos chamar de Escola Cisterciense de Espiritualidade. Estes pontos, fundamentado em grandes autoridades sobre o nosso santo, dão o escopo deste artigo.

             O Papa Bento XVI é quem nos apresenta uma síntese simples, mas também abarcante sobre a vida de São Bernardo nos albores de sua busca religiosa: “Não conhecemos os pormenores dos anos da sua infância; sabemos, contudo, que ele nasceu, em 1090, em Fontaines na França, numa família numerosa e discretamente abastada. Ainda jovem, prodigalizou-se no estudo das chamadas artes liberais – especialmente da gramática, da retórica e da dialética – na escola dos Cônegos da igreja de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine e amadureceu lentamente a decisão de entrar na vida religiosa. Por volta dos vinte anos, entrou em Cîteaux, uma fundação monástica nova, mais ativa em relação aos antigos e veneráveis mosteiros de então e, ao mesmo tempo, mais rigorosa na prática dos conselhos evangélicos. Alguns anos mais tarde, em 1115, Bernardo foi enviado por Santo Estêvão Harding, terceiro Abade de Cîteaux, para fundar o mosteiro de Claraval (Clairvaux). Aqui o jovem Abade, que tinha apenas vinte e cinco anos, pôde apurar a própria concepção da vida monástica, e empenhar-se em pô-la em prática. Olhando para a disciplina de outros mosteiros, Bernardo recordou, com decisão, a necessidade de uma vida sóbria e comedida, tanto à mesa como no vestuário e nos edifícios monásticos, recomendando o sustento e a atenção aos pobres. No entanto, a comunidade de Claraval tornava-se cada vez mais numerosa, e multiplicava as suas fundações” (Audiência geral, 21/10/2009, on-line). Para uma leitura rápida, porém escrita com maestria, além das obras citadas neste artigo, o leitor interessado em melhor conhecer nosso santo pode recorrer a Daniel Rops. “Bernardo de Claraval: testemunha do seu tempo perante Deus”, da conceituada Editora Quadrante, de São Paulo.

             Gostaríamos também de enfatizar a ideia de que o santo de Claraval pode ser considerado o cofundador da Ordem Cisterciense. Por quê? – Porque certo tempo após o glorioso 1098, quando São Roberto, Santo Alberico, Santo Estêvão Harding e mais 21 companheiros, fundam Cister com a intenção de voltar ao primitivo rigor da Regra de São Bento, o mosteiro começa a sentir a falta de vocações. Por um lado, devido à peste que ceifara a vida de não poucos monges e por outro pela própria falta de candidatos. Deus, no entanto, no abaciado de Santo Estêvão Harding, chamou, em 1113, para a Ordem, o jovem Bernardo, depois mundialmente conhecido como “de Claraval”, com mais 30 amigos. Ocorre, então, um crescimento estupendo da Ordem Cisterciense.

    Eis o que sobre isso pôde escrever Dom Luís Alberto Ruas Santos, O. Cist.: “Houve um momento em que a Europa foi cisterciense: uma rede de mosteiros desta ordem monástica estendia-se por todo o continente, de Portugal à Estônia, da Noruega à Sicília. O século XII marcou o apogeu dos cistercienses, um ramo do grande tronco beneditino, que procurou dar novo vigor aos valores tradicionais do monaquismo, busca de Deus na solidão e no silêncio, no quadro de uma comunidade fraterna, ascetismo liberador das melhores energias espirituais do ser humano, despojamento e simplicidade em todas as coisas, da liturgia e arquitetura ao vestuário e alimentação. Essa era a época da Reforma Gregoriana, em que se buscava uma maior autenticidade evangélica e cristã em todos os aspectos da vida da Igreja, seja nas estruturas hierárquicas, livrando-a de ingerências seculares, seja na própria vida religiosa que era então predominantemente monástica” (Os cistercienses. Documentos primitivos. São Paulo: Musa/Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1997, p. 7). Ainda que, infelizmente, esse avanço muito tenha se retraído na Europa, foi possível aos cistercienses chegarem e se estabelecerem no Brasil, no século XX, com a graça de Deus, e aqui levarem avante o carisma da Ordem a serviço da Igreja.

    Passamos, agora, a outro ponto. Durante longo tempo, alguns grandes mestres da Espiritualidade e Mística, como Pe. Adolphe Tanquerey e Frei Antonio Royo Marín, por exemplo, inseriram, sem mais, os cistercienses na mesma escola de Espiritualidade dos nossos irmãos beneditinos. Tal inserção é, de si, legítima, uma vez que a Regra de São Bento e a tradição beneditina são suportes de base ou alicerces da vida cisterciense. Somos gratos devedores dos beneditinos em tudo o que nos legaram de suas raízes profundas. No entanto, mais recentemente, começou, sem romper com a base, a se perceber um fato notório, conforme anota Dom Luís Alberto Ruas Santos, O. Cist: “Os mosteiros cistercienses produziram grandes místicos. O mais importante deles foi São Bernardo de Claraval. Há muitos outros nomes, sobretudo no século XII, como Guilherme de Saint-Thierry, Elredo de Rievaulx ou Isaac de Estrela, para citar apenas os mais conhecidos. Todos eles escreveram sobre sua experiência mística pessoal. O florescimento da escola cisterciense é o grande atestado de sucesso da aventura espiritual vivida nos mosteiros da Ordem. Esses autores oferecem em suas obras riquezas espirituais que guardam, ainda hoje, todo o seu valor, não só para os monges, mas para todos os cristãos. Talvez não tenha havido na Igreja uma escola de espiritualidade tão uniforme na temática e com tantos autores como a cisterciense” (Bernardo de Claraval. Vida e obra do último dos padres. Campinas: Ecclesiae, p. 47).

    Essa espiritualidade comporta “uma síntese feliz e atraente dos três elementos que predominavam nos movimentos de reforma monástica. Os mosteiros da Ordem ofereciam um alto grau de solidão, seja pelo afastamento da sociedade e da trama de seus relacionamentos, seja pela estrita disciplina de silêncio que neles vigorava, com longas horas dedicadas à lectio – leitura orante e meditada da Palavra de Deus – e à oração privada, e ao mesmo tempo o consolo de uma comunidade fraterna. Por outras palavras, havia na vida cisterciense uma boa dose de eremitismo dentro de um quadro de comunhão fraterna própria ao cenobitismo e ao ideal de vida apostólica. Enfim, os cistercienses quiseram ser pauperes Christi, pobres de Cristo, ou seja, pobres com o Cristo pobre e, com isso, encontraram a terceira tendência do monaquismo reformado do século XI” (idem, p. 44).

    Outro monge, desta vez um trapista, arremata este tópico da exposição com estas palavras: “Existe uma ‘espiritualidade cisterciense’ (fé levada à vida com uma forma determinada), distinguível das outras espiritualidades, inclusive monástica. Alguns dos elementos dessa espiritualidade seriam: a importância da experiência pessoal e comunitária, a afetividade, a Regra de São Bento sem acréscimos, a caridade cenobita e contemplativa, a unanimidade, a amizade, a santa Humanidade de Jesus Cristo, a devoção mariana… Não faltam os que opinam que não se pode falar de uma espiritualidade propriamente cisterciense (J. Lecrercq). Mas, existe sim, graças aos cistercienses, e sobretudo a São Bernardo de Claraval, uma ‘teologia da espiritualidade ou da mística’” (Dom Bernardo Olivera, OCSO. Introducción a los Padres e Madres cistercienses de los siglos XII e XIII. Burgos: Fonte & Monte Carmelo, 2020, p. 45). Louvemos, pois, nosso santo por inaugurar, com seu pensamento, suas pregações e escritas e suas ações concretas (que foram muitas!) em favor da Igreja, essa Escola de Espiritualidade tão profícua que tanto bem fez e faz ao Povo de Deus.

             Com grande honra, celebramos também São Bernardo como Doutor da Igreja, ou seja, o (a) santo(a) que preenche as três notas necessárias para tal: a) ortodoxia ou retidão da doutrina; b) santidade de vida que tanto os contemporâneos quanto os posteriores reconheçam; c) aprovação da Igreja – não necessariamente de modo explícito – a partir do que ensinou pela palavra oral ou escrita (cf. Pergunte e Responderemos n. 429, p. 87-91). Mais ainda: nosso santo mereceu entre os santos doutores o destacável apelativo de Doutor Melífluo, isto é, aquele que tem palavras doces como mel (cf. Pr 16,24).

    Com efeito, declarado Doutor da Igreja, em 23 de julho de 1830, pelo Papa Pio VIII, no Breve Quod unum, São Bernardo de Claraval mereceu, em 24 de maio de 1953, por ocasião do oitavo centenário de sua morte, estas palavras do Santo Padre Pio XII: “O doutor melífluo, ‘último dos padres, mas certamente não inferior aos primeiros’ (Mabillon, Bernardi Opera, Praef. generalis, n. 23; PL 182, 26), distinguiu-se por tais dotes de mente e de espírito, enriquecidos por Deus com dons celestes, que pareceu dominar totalmente nas múltiplas e turbulentas vicissitudes da sua era, por santidade, sabedoria, suma prudência e conselho na ação. Por isso, não só os romanos pontífices e escritores da Igreja católica, mas também não raramente os próprios hereges lhe tributam grandes louvores. E nosso predecessor de feliz memória Alexandre III, quando o inseriu, com universal júbilo, no catálogo dos santos, assim escreveu com veneração: ‘…Evocamos a santa e venerável vida do mesmo bem-aventurado: pois que ele, amparado por singular prerrogativa da graça, não só resplandeceu em santidade e religião, mas também irradiou, em toda a Igreja de Deus, a luz da sua fé e doutrina. Na verdade, não há ninguém, por assim dizer, em toda a cristandade que ignore o fruto que ele produziu na casa de Deus com sua palavra e exemplo, visto que difundiu as instituições da nossa santa religião até às terras estrangeiras e bárbaras… e fez voltar uma infinita multidão de pecadores… à reta prática da vida espiritual’ (Carta Apost. Contigit olim, 17 de janeiro de 1174). ‘Ele foi com efeito como escreve o Cardeal Barônio – homem verdadeiramente apostólico, autêntico apóstolo enviado por Deus, poderoso em obras e palavras, tornando célebre em toda a parte e em todas as coisas o seu apostolado com os prodígios que o acompanhavam, de maneira que se deve dizer que em nada foi inferior aos grandes apóstolos… ornamento e ao mesmo tempo amparo de toda a Igreja católica’ (Annal. t. XII, An. 1153, p. 385)” (Encíclica Doctor Mellifluus, 1953, n. 1).

    Pio XII usa, logo de início, como se vê, uma citação que é bela, porém emblemática. Sim, diz o seguinte: “O doutor melífluo, ‘último dos padres, mas certamente não inferior aos primeiros’”. Como entender isto? – Comecemos por esclarecer que “Padres da Igreja são escritores (não necessariamente presbíteros ou bispos) que, nos primeiros séculos, contribuíram para a exata elaboração e a precisa formulação das verdades da fé em tempos de debates teológicos com escolas heréticas” (Dom Estêvão Bettencourt, OSB. História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2012, p. 16). Pois bem, mas se esses Padres estão nos primeiros séculos da Igreja, como São Bernardo, vivendo no século XII, pode ser considerado um deles? – É o Papa Bento XVI quem nos esclarece desta vez: “Hoje gostaria de falar de São Bernardo de Claraval, chamado ‘o último dos Padres’ da Igreja, porque no século XII, mais uma vez, renovou e tornou presente a grande teologia dos Padres” (Audiência geral, 21/10/2009, on-line).

    Peçamos, pois, que o nosso grande São Bernardo de Claraval, monge dedicado a Deus e, por conseguinte, à Igreja e a cada homens e mulher com quem tomava contato, interceda junto à Trindade Santíssima por todos nós a fim de que, saibamos, em pleno século XXI, ouvir, discernir e corresponder ao chamado do Senhor em nossas vidas.

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