Santos Súbitos

    Aquele grito de “santo já” que ecoou na praça de São Pedro em 2005, quando da morte do papa João Paulo II, não só se concretizou, como trouxe consigo a lembrança de outro nome que arregimentava multidões naquela mesma praça, o papa João XXIII. Mais uma vez, a voz do povo foi profética. Mais uma vez, a voz de Deus disse sim à vontade popular. E nos deu mais que havíamos pedido ou merecíamos: ao invés de um, dois santos. Na manhã de 27 de abril de 2014, segundo domingo da Páscoa, dois papas foram entronizados nos altares católicos como novos santos e, detalhe relevante, acompanhados em cerimônia por dois papas ainda vivos: Bento XVI e Francisco.
    Como vemos, o acontecimento inédito se reveste de uma áurea muito mais questionadora do que histórica. O que Deus quer dizer ao mundo com tão significativo fato, dentro do contexto histórico crítico e de crescente rejeição doutrinária que a Igreja vê acontecer? Como resgatar a mística da espiritualidade cristã num mundo cada dia mais distante da fé? Ao santificar dois papas e conduzi-los ao altar pelas mãos de outros dois, todos protagonistas da mais recente história da Igreja, em especial partindo da “revolução da fé” que João XXIII proporcionou ao mundo com a convocação e início do Concílio Vaticano II, passando pela constante busca de diálogo com o mundo, que João Paulo II desenvolveu em seus 27 anos de pontificado e chegando aos dias atuais, vemos que nenhum til ou vírgula se alterou da base doutrinal que nos deixou Jesus. Ao contrário, nestes anos de transformações, o que mais se buscou foi fidelidade ao Cristo e à sua sã doutrina. Isso tudo confirmado pelo magistério da Igreja, sob a ação de seus pontífices. Isso tudo para nos dizer que o caminho da santidade passa por aqui.
    Santos são os guias, luzeiros na escuridão do mundo sem Deus. Santidade não é um privilégio de poucos, mas dever de todo e qualquer cristão. Maior é a responsabilidade dos que estão à frente do rebanho, mas nem por isso há de se desmerecer a pequena ovelha perseguida ou devorada pela alcatéia da maledicência humana, pelos lobos em tocaia, os muitos inimigos à espreita, vociferando contra nossa fé. “Matam o corpo, mas não a alma”. Essa é a grande certeza dos que aspiram à santidade. Vocação sem privilégios, pois na hierarquia celeste não há degraus, nem títulos, muito menos privilégios pessoais. Não há santo maior ou menor, mais poderoso ou sábio, já que todos os que alcançam esta glória entram na “comunhão dos santos”, isto é, se somam à força espiritual que rege o mundo e podem interceder por nós, os que ainda padecem “neste vale de lágrimas”. Assim a Igreja entende, incentiva e apresenta seus santos: modelos de vida e intercessores pelos que ainda vivem.
    São João XXIII, ao declarar aberto o Concílio Vaticano II, desejou que as portas da Igreja se abrissem ao mundo, num desejo ardente de que “a luz de Cristo, refletida no rosto da Igreja, pudesse iluminar todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura”. Foi esse o apelo de seu discurso de abertura conciliar. Um apelo feito de coração aberto e que transformou radicalmente o rosto da Igreja, desde então mais aberta à realidade do mundo. Sua voz profética e sua visão beatífica nos possibilitaram essa graça. Tornou-se o papa símbolo da bondade, da serenidade, generosidade.
    São João Paulo II, por sua vez, ao insistir na vida missionária da Igreja como razão de ser desta, escreveu: “O chamado à missão deriva, por sua natureza, da vocação à santidade. Todo missionário só o é, autenticamente, se se empenhar no caminho da santidade: a santidade deve ser considerada um pressuposto fundamental e uma condição totalmente insubstituível para se realizar a missão de salvação da Igreja” (Redemptoris Missio). Não temos, pois, alternativas: sejamos também santos, já! Ou nunca chegaremos lá.  Porque Cristo nos chama e multidões também esperam por nós!