Roncalli e Wojtyla, pastores no meio do povo

As imagens de João Paulo II e João XIII na missa de canonização em 2014
Há dez anos realizou-se a canonização de João XXIII e João Paulo II na missa presidida pelo Papa Francisco na Praça São Pedro. Vivendo em tempos históricos conturbados, os dois santos Pontífices testemunharam a esperança e a alegria que o encontro com Jesus proporciona com a abnegação total a serviço do Povo de Deus.

Alessandro Gisotti

Quem são os santos? Em primeiro lugar, não são super-homens, como Francisco nos lembrou muitas vezes. No entanto, no imaginário coletivo, até mesmo de quem não crê, a santidade é sinônimo de excepcionalidade. Se seu nome está no calendário – poderíamos dizer em tom de brincadeira – certamente se deve a uma vida vivida de forma extraordinária. No entanto, o Papa, justamente por isso, quis enfatizar – e o fez com uma Exortação Apostólica que talvez merecesse ser mais aprofundada – que todos os batizados são chamados à santidade, a serem “santos da porta ao lado”, que são muito mais numerosos do que os indicados no calendário. A santidade, escreveu o Pontífice na Gaudete et Exsultate, se vê “no povo paciente de Deus: nos pais que educam seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham para levar o pão para casa, nos doentes, nas religiosas idosas que continuam sorrindo”.

Nesta santidade do Povo de Deus, povo paciente, que sabe confiar-se ao Pai e deixar-se guiar por Ele, João XXIII e João Paulo II acreditaram com convicção e em 27 de abril de dez anos atrás foram proclamados santos numa Praça São Pedro repleta de fiéis. Angelo Roncalli e Karol Wojtyla – em Veneza e Cracóvia antes do ministério petrino em Roma – foram “pastores com cheiro das ovelhas”, como diria hoje Jorge Mario Bergoglio. Viveram como pastores no meio do povo, sem medo de tocar as chagas de Cristo, feridas visíveis no sofrimento de irmãs e irmãos que formam aquele Corpo que é a Igreja. Uma imagem, esta última, que o próprio Concílio Vaticano II – nascido do coração dócil e corajoso de João XXIII e que teve no jovem bispo Wojtyla um dos seus mais apaixonados apoiadores – recolocou no centro da vida eclesial, ligando-a à experiência original da primeira comunidade cristã da qual nos falam os Atos dos Apóstolos.

Vivemos numa época de grande agitação: nos últimos anos, primeiro a pandemia, depois a guerra na Ucrânia e, por fim, o novo conflito no Oriente Médio se concatenaram, semeando dor, medo e uma sensação de perturbação que, com a globalização, agora parece ser uma dimensão constitutiva da humanidade como um todo. No entanto, os tempos em que Roncalli e Wojtyla viveram não eram menos complexos, nem menos marcados pelo medo da aniquilação da raça humana. João XXIII, idoso e doente, enfrentou a Crise dos Mísseis de Cuba nos primeiros dias do Concílio. João Paulo II, como sacerdote viveu o horror nazista em sua Polônia, como bispo a sufocante ditadura comunista, e como Papa enfrentou, animado pela tenacidade profética, a oposição entre os dois blocos da Guerra Fria até a dramática dissolução da União Soviética e a consequente ilusão do “fim da história”.

Estes dois Papas do século XX não responderam às tragédias do seu tempo com resignação e pessimismo. Eles não seguiram as litanias dos “profetas da destruição” que então, como agora, parecem preferir queixar-se do que está errado em vez de arregaçar as mangas para ajudar a melhorar as coisas. Como sublinhou Francisco na homilia da missa para a canonização dos dois Papas, em João XXIII e João Paulo II “mais forte foi a fé em Jesus Cristo, Redentor do homem e Senhor da História”, uma fé que se manifestou na alegria e na esperança que somente pode ser testemunhada por quem encontrou Cristo em sua vida. “Estas – observou novamente na homilia – são a esperança e a alegria que os dois santos Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado e por sua vez doaram em abundância ao Povo de Deus, recebendo a gratidão eterna”. Uma gratidão aos dois santos que não enfraquece com o passar dos anos, mas cresce na convicção de que agora do Céu podem interceder pela Igreja, pelo Povo de Deus, a quem na sua vida terrena serviram com amor e abnegação.

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