“Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo”. Essa afirmativa do Papa Francisco não é de agora. Foi proferida em 2015, durante homilia em Sta. Vicenza, Itália. Mas continua como advertência bem atual, especialmente quando muitos cristãos se dizem a favor da pena de morte ou fazem dum confronto policial um acontecimento que mereça aplausos. Não estou aqui para defender vida criminosa, mas simplesmente a vida, independentemente da conduta social do indivíduo. Seu comportamento antissocial merece repulsa e penalidades, mas nunca a dignidade de uma vida deve equiparar-se às suas ações maléficas. Merece sempre uma porta entreaberta, para se redimir.
Muitos torcem o nariz para essa premissa evangélica. O perdão e a tentativa de recuperação é a essência da atitude cristã. Mesmo para o pior dos criminosos. Recorda-nos o Papa: “Nunca homem algum, “nem sequer o homicida, perde a sua dignidade pessoal”, porque Deus é um Pai que sempre espera o regresso do filho, o qual, sabendo que errou, pede perdão e começa uma vida nova”. Utopia, isso? Sabemos que não, pois, para Deus, há sempre uma nova oportunidade sendo oferecida, mesmo que uma vida bandida domine a biografia de qualquer miserável aos olhos da graça. O amor supera tudo.
Foi o caso, por exemplo, do assassino que descobriu a misericórdia de Deus no corredor da morte e hoje caminha para a beatificação, com direito a galgar os altares da fé católica. Jacques Fesch, condenado à morte por homicídio, converteu-se dentro da prisão e foi guilhotinado em 1957. Na prisão de La Santé, em 28 de fevereiro de 1955, encontrou-se com a misericórdia em pessoa. Relatou ele: “Estava deitado, olhos abertos, realmente sofrendo pela primeira vez na vida. Repentinamente, um grito saiu de meu peito, uma súplica de ajuda – Meu Deus – e, como um vento impetuoso que passa sem que soubesse de onde vem, o Espírito do Senhor me agarrou pela garganta. Tive a impressão de um infinito poder e de uma infinita bondade que, daquele momento me fez crer com convicção que nunca estive abandonado”. Na véspera de sua execução, escreve: “Amanhã, nesta hora, estarei no Paraíso. Que eu morra, se essa for a vontade do bom Deus. Mais cinco horas, e eu verei Jesus”.
Todavia, a Igreja hoje é totalmente contrária a qualquer punição de morte. “A pena de morte é um fracasso, porque obriga a matar em nome da justiça. Nunca se alcançará justiça matando um ser humano”, sentenciou o Papa em declaração sobre o assunto. Não é, entretanto, uma posição meramente antagônica, mas um princípio de fé que nasce do respeito à obra de Deus. O corpo humano é síntese da perfeição divina e, como tal, não pode ser vilipendiado, profanado, desrespeitado em circunstância alguma. Lembrando que profanação é sinônimo de desrespeito ao que é sagrado. E sagrado é tudo aquilo que devotamos a Deus. Também nossas vidas. Também nossos corpos. Também nosso espírito, apesar da vida pecaminosa de todos nós. Somos, sim, pecadores, bem o sabemos. Mas tentamos nos fazer dignos da graça, mesmo que as circunstâncias adversas predominem em nossas vidas. Vale aqui a advertência do Mestre: “Não julgueis, e não sereis julgados”.
Se tais argumentos ainda não lhe convenceram, recordemos o episódio do bom samaritano. Um bandido, uma vítima e três testemunhas: um religioso (conhecedor dos mandamentos divinos), um levita (conhecedor das leis) e um samaritano (conhecedor das misérias humanas). “Qual destes três te parece que foi o próximo”? A resposta foi imediata: “Aquele que usou de misericórdia” … Então Jesus lhe disse: “Vai e faze tu o mesmo”.