Declaração comum dos Bispos de África e de Madagáscar
Os bispos da África pedem o fim imediato das “campanhas imundas de promoção da civilização mundial da morte no continente”. Em um forte documento, divulgado com exclusividade por meio da Aleteia hoje, os bispos alertam sobre o “ressurgimento aterrador do espírito colonialista, disfarçado sob os nomes atraentes de liberdade, igualdade, autonomia, democratização e desenvolvimento”. Leia a seguir e divulgue.
Declaração comum dos Bispos de África e de Madagáscar
Tendo em vista os desenvolvimentos actuais no continente Africano, em perspectiva da Cimeira de 25 a 27 Setembro em Nova Iorque para adoptar um «desenvolvimento pós 2015 global».
Respeitai, amai e servi África na verdade
Aos nossos Chefes de Estado e governos africanos,
Ao Secretário-Geral das Nações Unidas,
Aos Chefes de Estado e governos com os quais os nossos países tenham celebrado acordos bilaterais ou multilaterais,
Aos responsáveis das instituições pan-africanas,
Aos chefes das organizações internacionais,
Aos parceiros da governança mundiale financiadores
Aos filhos e filhas do nosso bem-amado continente africano.
2. Nós, Bispos de África e de Madagáscar, aqui representados pelos presidentes das nossas Conferências Episcopais, ou pelos bispos por eles mandatados, animados por um grande amor a Deus e a todos os homens, colocando a nossa confiança na Providência divina que faz tudo concorrer para o bem daqueles que procuram Deus, em íntima ligação, com a Igreja universal, de toda a família humana, consideramos ser nosso dever diante do Eterno, nesta hora critica da cooperação internacional, lançar a todos, mas mais particularmente aos dirigentes políticos e responsáveis dos organismos internacionais, este apelo urgente:
3. Tende a coragem e empenhai-vos em respeitar, amar e servir África em verdade! Não tenhais medo de vos abrir à contribuição humana e espiritual que o continente negro pode oferecer à humanidade, nesta hora em que a decadência moral teve como consequência, nos outros continentes, males que nós, africanos, não queremos! Protegei e defendei os valores ancestrais do nosso continente! Procurai e servi, antes de mais, o bem dos seus filhos e filhas! Renunciai à tripla sedução do prazer, do dinheiro e do poder!
4. Estamos unanimemente feridos, no mais íntimo do nosso coração de pastores, pelos ataques contra a vida, a família, o que é moral e sagrado, o sadio desenvolvimento humano dos nossos jovens, futuro de África, a plena realização das mulheres, o respeito pelos idosos, que nas nossas culturas africanas tem um sentido tão forte. Interesses egoístas e perversos impõem-se ao nosso continente a uma velocidade que não pára de aumentar, com uma agressividade que não pára de se reforçar, de forma cada vez mais organizada e financeiramente poderosa, introduzindo nas nossas sociedades um individualismo e um hedonismo totalmente estranhos ao que nós somos e queremos ser.
5. É por esta razão que vos imploramos de pôr fim às campanhas imundas de promoção da civilização mundial da morte no nosso continente. Trata-se de um ressurgimento aterrador do espírito colonialista, disfarçado sob os nomes atraentes de liberdade, igualdade, autonomia, democratização e desenvolvimento. Preservativos, contraceptivos, programas de educação sexual produzidos algures, puramente técnicos, sem referências morais, aborto alegadamente «sem riscos» tornaram-se mais acessíveis para os africanos do que as instruções sobre o desenvolvimento integral do qual temos uma necessidade vital. Já ninguém ignora que sob o eufemismo de «saúde e direitos sexuais e reprodutivos», estes programas são pura e simplesmente impostos como condição de ajuda ao desenvolvimento. O mesmo se passa com a «perspectiva do género», segundo a qual a maternidade, a identidade filial e esponsal do ser humano e da família, baseada no casamento entre um homem e uma mulher, seriam «estereótipos discriminatórios». Não, as mulheres e os homens em África não são indivíduos autónomos dos seus pais, esposos, filhos: mulheres, homens, crianças, todos somos pessoas, criados por amor e para o amor e todos fazemos parte de uma família e de uma comunidade unida de forma vital, ontológica e afectiva!
6. Cada africano está ciente da manipulação em curso. A África não se desenvolve em harmonia com a sua alma. Os agentes da civilização da morte utilizam uma linguagem ambivalente, seduzindo os decisores e as populações no sentido de estabelecer com eles parecerias com objectivos ideológicos. Envolvem o maior número possível nas «parcerias» das quais são na realidade os mestres. Aproveitam-se da pobreza, da fraqueza e da ignorância para submeter os povos e os governos à sua chantagem.
7. Nós, pastores africanos, não queremos que os africanos sejam reduzidos a «parceiros servis». Trata-se de uma nova forma de escravatura! Queremos que a dignidade dos nossos povos seja respeitada. Não, a África não é um imenso mercado potencial para a indústria farmacêutica dos contraceptivos e dos preservativos. Sim, a África está povoada com homens, mulheres e crianças dotadas de uma dignidade transcendente, de uma vocação magnífica e eterna. O povo africano tem hoje uma missão insubstituível para com a humanidade. Ele é amado por Deus! Hoje «a África é o pulmão espiritual da humanidade» declarou solenemente Bento XVI[i]. Mais de 50 anos depois da descolonização dos nossos territórios, não será já tempo de permitir aos povos africanos que se determinem livremente e ofereçam as suas próprias riquezas culturais à humanidade?
8. Observamos com profunda tristeza que as nossas instituições pan-africanas, desde a sua criação, têm estado sob o jugo de lobbies neocolonialistas. Em 2003, estes fizeram adoptar pela União Africana, acabada de nascer, o Protocolo da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos das Mulheres em África, o único tratado internacional que vergonhosamente reconhece o aborto como um direito das mulheres. Assim, apesar de mandatada para representar, servir e fazer que seja respeitado o povo de África, a UA vendeu a soberania dos povos africanos por alguns subsídios e uma miserável «ajuda técnica» vinda de fora e altamente tóxica para África. Em dez anos, 48 dos 54 estados africanos, sob pressão externa incessante, assinaram o Protocolo de Maputo, e 36 ratificaram-no. Determinados a aplicá-lo, as mesmas parcerias transnacionais da contracepção e do aborto exerceram a sua influência ao nível da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, «órgão de supervisão» da aplicação dos tratados e protocolos da União Africana pelos Estados-membros.
9. Os pastores africanos tomaram conhecimento das Observações Gerais nº2 sobre o artigo 14.1 (a), (b), (c) e (f) e o artigo 14.2 (a) e (c) do Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos relativo aos Direitos da Mulher em África[ii], que a Comissão adoptou em Maio de 2014. Constatámos com consternação a determinação dos verdadeiros autores dessas observações – o lobby transnacional dos «direitos reprodutivos» – de tudo fazer para que os Estados signatários do Protocolo legalizem ou despenalizem o aborto médico seguro, ou revejam as leis restritivas para as alargar; que proporcionem o «acesso universal» à «gama completa» dos contraceptivos modernos; que removam as barreiras aos serviços de saúde reprodutiva que consideram «fundados em ideologias ou crenças»(25); que integrem a saúde reprodutiva nos programas escolares (52), e os direitos sexuais e reprodutivos nos cursos de educação cívica (60); que «sensibilizem» os líderes religiosos e os chefes tradicionais sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres (44); que garantam a prestação de uma informação completa e de uma educação sexual aos adolescentes (51); e assim por diante. Com que direito as ONG’s ocidentais que representam apenas os seus interesses ideológicos afirmam ser juridicamente vinculativa para os Estados africanos a sua visão de mundo? Porquê esta programação e esta vontade de poluição e perversão generalizada do continente Africano?
10. Nós, pastores africanos, estamos cientes que as pressões vêm de todos os lados e não são apenas jurídicas. São também culturais, políticas, financeiras e económicas. As declarações políticas adoptadas nesta última década, ao nível da União Africana, contêm o mesmo programa. A Declaração de Addis-Abeba sobre a População e o Desenvolvimento em África, adoptada por todos os nossos países excepto o Chade, é cronologicamente a última. A Campanha para a Aceleração da Redução da Mortalidade Materna, Neonatal e Infantil em África, promove activamente a contracepção como meio de reduzir a mortalidade materna! Antes dela, o Plano da Acção de Maputo para a Implementação do Quadro de Orientação Continental para a Promoção da Saúde e dos Direitos Sexuais e Reprodutivos foi integralmente ditado pelos agentes da revolução sexual ocidental. Todas essas pressões políticas e económicas têm um único objectivo: o controlo e a redução drástica da população africana, a demolição planeada do casamento e da família. Nós, Africanos, devemos dizer categoricamente ‘não’ a esse plano que acaba por assassinar o nosso continente. «Estejamos atentos às novas formas de colonização ideológica», exorta-nos o Papa Francisco. «Existem colonizações ideológicas que procuram destruir a família. Não nascem do sonho, da oração, do encontro com Deus, da missão que Deus nos dá. Provêm de fora; por isso, digo que são colonizações. Não percamos a liberdade da missão que Deus nos dá, a missão da família E assim como os nossos povos, num determinado momento da sua história, chegaram à maturidade de dizer ‘não’ a qualquer colonização política, assim também como família devemos ser muito sagazes, muito hábeis, muito fortes, para dizer ‘não’ a qualquer tentativa de colonização ideológica da família»[iii]. Do mesmo modo, como podemos nós não lamentar a inclusão da «Introdução de uma educação sexual e reprodutiva completa adaptada à Idade» (par. 41) e do «acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos em matéria de reprodução» na Posição Africana Comum sobre o Programa de Desenvolvimento para o pós-2015 da União Africana?
11. Os bilhões de dólares atribuídos à produção e distribuição de preservativos e contraceptivos, bem como à implementação de programas de educação sexual não respeitadores das normas morais universais são um escândalo que clama vingança aos céus, uma nova escravidão infligida pelo ídolo «dinheiro». O objectivo a alcançar é, em particular, controlar eficazmente o crescimento da população Africana, de acordo com o «modelo» ocidental, que actualmente acusa, na Europa, um crescimento zero.
12. Chegou a hora de desmistificar o que a linguagem da governança mundial[iv] chama de «apropriação nacional» e iniciativas «conduzidos pelos países». Não, esses programas nada têm de africano! Eles são, de A a Z, pilotados por agentes externos à África: desde a introdução de conceitos normativos do «desenvolvimento» tais como o «género» ou a «saúde reprodutiva», à redacção dos documentos políticos ou jurídicos[v], à sua adopção, depois à sua implementação e por fim à supervisão da sua aplicação. Fazemos apelo à responsabilidade dos africanos que, comprados pelo dinheiro, colaboram com esses programas hediondos e mortíferos. Convidamos com insistência os responsáveis políticos e religiosos, que têm a pesada tarefa de conduzir e de proteger as nossas populações africanas, a estudar com atenção e analisar com grande cuidado e responsabilidade os documentos, as estratégias e os programas de desenvolvimento da governança mundial. Estes documentos, mesmo se, na sua apresentação e formulação exterior, parecem procurar elementos de bem-estar e de prosperidade para todos, na realidade, quando integram, muitas vezes de maneira velada, a agenda da revolução sexual ocidental, são verdadeiros programas de destruição dos pobres e dos valores da humanidade, e não de desenvolvimento respeitador da dignidade e da sacralidade da pessoa humana e do bem-estar da família.
13. Nós pastores africanos, constatamos hoje com profunda tristeza que o programa de desenvolvimento mundial pós 2015, no seu actual estado de elaboração, continua na dinâmica das conferências do Cairo e de Pequim, e que vinte anos depois dessas conferências, as parcerias que se estabeleceram para as implementar, tornaram-se um poderosa força política e financeira. Mas essas «parcerias», nas quais se envolvem tão facilmente os nossos governos e as nossas populações, roubam aos africanos a sua liberdade soberana e traem a sua confiança!
14. Nós, bispos de África e Madagáscar, sabemos que as nossas preocupações são partilhadas por outras confissões religiosas, cristãs e muçulmanas, presentes no continente, e as religiões tradicionais africanas. São também as dos nossos povos, enraizadas nas culturas que celebram a beleza e a sacralidade da vida e da família. Autores e parceiros, africanos ou estrangeiros, dos programas da alegada «libertação sexual», ouvi a voz da vossa consciência! Despertai a vossa consciência! Recordai-vos que cada pessoa humana terá de prestar contas a Deus pelos seus actos.
15. O Papa São Gelásio I, um africano, escreveu em 494 numa carta dirigida ao imperador bizantino Anastácio I (491-518): «Peço-vos, Vossa Piedade, que não julgueis arrogante o que é dever para com a verdade divina. Espero que não se venha a dizer de um imperador romano que não soube tolerar que lhe recordassem a verdade. Há dois princípios, Imperador Augusto, pelos quais o mundo se rege: a autoridade sagrada dos pontífices e o poder real, e dos dois, é a carga dos sacerdotes a mais pesada, pois diante do tribunal de Deus, eles prestarão contas até mesmo pelos reis dos homens.Sabeis com efeito, Filho clementíssimo, que, mesmo reinando sobre o género humano, vós curvais, com devoção, a cabeça diante daqueles que presidem às coisas divinas, e esperais de entre eles os meios da vossa salvação».
16. O Estado e as organizações internacionais devem respeitar o que todos os homens e mulheres podem reconhecer como real, verdadeiro e bom na sua consciência e no seu coração. Devem honrar a transcendência, centralidade e superioridade em valor, da família fundada no casamento entre um homem e uma mulher, da maternidade e da vida, da religião. Devem servir os povos tais como são e querem ser, enraizados numa rica diversidade de culturas. Possam as políticas de desenvolvimento mudar radicalmente de rumo, neste sentido!
17. O nosso auspício, o nosso desejo, a nossa oração, o nosso empenho pastoral têm como fim que a África, nesta era de globalização, ofereça à humanidade de hoje a contribuição insubstituível que tem para oferecer à humanidade, segundo os dons que recebeu de Deus e que lhe são próprios.
Acra (Gana), 8-11 de Junho de 2015
[i] Homilia do Papa Bento XVI na Missa de abertura da II Assembleia Especial para África, Basílica Vaticana, 4 de Outubro de 2009.
[ii] http://www.achpr.org/fr/instruments/general-comment-two-rights-women/
As Observações foram redigidas com o apoio técnico do ramo africano de um lobby de origem americana, Ipas: outra confirmação, se fosse necessária, da origem estrangeira do protocolo, escrita em grandes letras nos muros das instituições pan-africanas.
[iii] Discurso do Santo Padre Papa Francisco, durante o encontro com as famílias, Manila, 16 de janeiro de 2015.
[iv] Uma parceria mundial multi-accionista com as Nações Unidas no seu centro.
[v] Referímo-nos aqui ao Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos relativo aos Direitos da Mulher em África.
Fonte: Aleteia