Quarta Catequese Quaresmal

    Conversão e suas consequências

    Caríssimos irmãos e irmãs,
    Quaresma é um tempo de salvação: Deus quer salvar (a) todas as pessoas, sem distinção de raça e nação. Mas é nossa a tarefa de aceitar a salvação. Eu preciso aceitar a graça. Com razão, o encontrar-se com Jesus sempre faz florescer a terra seca, pois Ele é uma fonte de água que revigora a vida onde parece haver apenas morte. Estamos constantemente cercados por acidentes, atentados, crimes, catásfrofes, mortes e violências, mas jamais poderemos dizer que isso é por causa dos seus pecados, ou foi “Deus que quis”. Jamais!!! Eis o tempo favorável da conversão, tema deste domingo.
    As leituras deste domingo nos remetem à conversaõ; na primeira leitura (Ex 3, 1-8a.13-15) percebemos que Deus não suporta a injustiça e arbitrariedades, por isso vem nos libertar e pede a cada um de nós o lutar contra todo tipo de escravidão e aquilo que nos impede de viver a vida plena. Só Deus pode dizer EU SOU, pois estamos em constantes mudanças, mas o Senhor não muda, é sempre o mesmo. Por isso mesmo, Ele pode dizer, por ontomomásia, EU SOU, e este é o nome dele para sempre.  Já na segunda leitura (1Cor 10,1-6.10-12) somos chamados a aderir verdadeiramente a Deus e viver em comunhão íntima com Ele. Por sua vez, o Evangelho da Misericórdia (Lc 13,1-9) nos convida a uma mudança radical do nosso existir, para que não sejamos levados ao egoísmo e, deste, à morte. É importante aproveitar este tempo para nos convertermos e, “Oxalá escutemos hoje o que Ele nos diz”! (cf. Sl 94[95], 7).
    Quaresma é, pois, um tempo de enfrentar-nos com as tentações: Jesus nos mostra que a vida não é fácil, mas é trabalho em todos os sentidos. Devemos empenhar todas as nossas forças e assim vencer a tentação de viver na base do “milagre”. 
    Perdão, cura, ternura e justiça: eis a revelação da mistagogia de Deus por meio dos seus planos soteriológicos e suas obras (Sl 102[103]). Viver como cristãos significa viver acolhendo-nos no amor recíproco. Não se trata de um mero altruísmo ou de uma filantropia natural. Exige uma conversão do coração, uma mudança de estado de espírito. No sentido cristão do termo, o acolhimento fraterno é modelado pelo Evangelho de Jesus e pela graça de Deus. Quaresma é um tempo de generosidade: o povo de Israel dava a Deus as primícias da colheita. Mas nas orações que se rezavam durante a oferta das primícias, se mostra que o povo descobriu um sentido profundo nessa entrega. Não por medo que algum Deus possa castigar o povo e não mandar chuva, mas por gratidão a Deus que sempre nos acompanha durante toda nossa história, é que leva a Deus a oferta. Hoje somos convidados a olhar o mundo com um coração generoso. Assim, a partir daqui, podemos ver as suas características: O acolhimento é, antes de mais, abertura relacional. É mais amplo que a simples ajuda, porque significa abrir-se à pessoa e não só às suas necessidades. Significa abrir o coração e não só dar ajuda; tratar o outro como a si mesmo e nele servir o Senhor de todo o coração.
    O Evangelho do Terceiro Domingo da Quaresma nos alerta que Deus é paciente, mas temos que agir também com gestos concretos e firmes, pois Ele ouve seu povo e o tira da escravidão. Este é o tempo de conversão para chegarmos de coração preparado ao acon¬tecimento central da história da salvação: a morte e a ressurreição de Cristo. Deus continua, hoje, a falar a cada um de nós para proclamarmos com a alegria a Boa Notícia. Com razão, a Quaresma é o tempo litúrgico de conversão que a Igreja marca para nos preparar para a grande festa da Páscoa. É tempo para nos arrependermos de nossos pecados e de mudarmos algo de nós para sermos melhores e podermos viver mais próximos de Cristo. Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação fraterna. Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos. Na Quaresma, aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a carregar nossa cruz com alegria, na certeza da glória da ressurreição.
    Precisamos de uma conversão profunda, pois a humanidade passa por violentas buscas de liberdade, seja política, cultural, ecológica ou econômica. Vemos que há muitas lutas ainda para um mundo mais justo e fraterno, e eis que aí está Deus. Deus que tem compaixão dos sofrimentos dos injusticados e explorados. Deus age na nossa história por meio de homens e mulheres de boa vontade que se deixam desafiar por Ele, como Madre Teresa, que neste ano Jubilar teremos a graça de vê-la canonizada, ou seja, declarada Santa. Mas existem muitos outros que, simples como Madre Teresa, fazem pequenas coisas e grandes transformações. É a hora de nós também fazermos a diferença. Saiamos do comodismo com a desculpa que o que vemos de errado é problema de outrem e que não temos nada a ver com isso! Precisamos lutar contra este egoísmo que nos leva a pensar que não é nada conosco. Não podemos ser passivos, é hora de termos atitudes proféticas, inspiradas e interpeladas por Deus, aceitando  colaborar na construção de uma civilização verdadeiramente do amor. Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade Ecumênica nos ajuda a vivenciarmos ainda mais o tempo quaresmal de conversão, ao nos chamar à responsabilidade pela nossa “casa comum”.
    Uma atitude concreta é fazermos uma boa confissão, para iniciarmos a nossa caminhada do êxodo rumo à Pascoa da Ressurreição. A confissão como os demais sacramentos são manifestação da vida de Deus, que se oferece de modo gratuito e incondicional a cada um de nós. Acolhamos este dom e nos convertamos em verdaderos filhos de Deus. Há muitas omissões de cada um de nós para que aconteça o desamor, a injustiça, as catástrofes. Somos chamados à conversão e começar a cuidar de nós, do outro e do mundo que foi criado para cada um de nós. Chega do egoísmo parecer que predomina na sociedade. Viver é conviver! O amor fraterno é um ponto forte da espiritualidade quaresmal, jamais nos esqueçamos! Eis o tempo de conversão!
    Ninguém deve excluir-se do abraço do Pai, e os confessores são os que têm a missão de perdoar e os fiéis têm o direito ao sacramento. Para os confessores, este é o ministério mais difícil e delicado, cansativo e exigente, mas um dos mais belos e consoladores. É preciso lançar-se com alegria e confiança à descoberta deste sacramento, armar-se de confiança, criatividade e perseverança. É hora de um relançamento do Sacramento da Penitência como exigência da justiça pastoral. No evento 24 horas para o Senhor, que celebraremos no próximo final de semana, para nós aqui na Arquidiocese do Rio de Janeiro é uma oportunidade de, além dos mutirões de confissões que já existem na Arquidiocese, sermos a “igreja em saída” e irmos ao encontro das pessoas nas praças, ruas, shopping centers, estações de trem ou metrô, estação rodoviária. Enfim, locais alternativos para oferecer oportundiades de confissão a mais pessoas.
    Infelizmente, para uma parte da população esse sacramento está em crise pela perda do sentido do pecado, pela deformação da consciência ética, pela perda do sentido de Deus. Existe também a dificuldade da falta de confessores, pela confusão entre confissão e contrição, pela escassa espiritualidade e a necessária preparação. Hoje, a falta de uma direção espiritual e aconselhamento tem sido ajudada com consagrados e consagradas que se colocam à disposição, e assim preparam as pessoas para serem atendidas pelos padres para uma boa confissão. Para superar esta situação, também requer-se escuta da Palavra, a catequese sobre o pecado, a preparação dos confessores, a experiência do amor de Deus, a conversão do coração. Jesus nos olha com amor, como olhou para Pedro, Zaqueu, o jovem rico. É a fé na misericórdia que impele o pecador à conversão. Daí a necessidade de anunciar o amor misericordioso de Deus às pessoas. Toda confissão é um encontro amoroso com Deus. Cada confissão deve devolver a paz, a alegria, a harmonia, a saúde, mas sobretudo, a graça de Deus. Este sacramento serve de pedagogia e de escola de perdão. Quem é perdoado está aprendendo a perdoar, a reconciliar-se, a ter misericórdia e compaixão.
    Médicos, psicólogos, educadores aconselham as pessoas a se confessarem. K. Meninger, psicólogo judeu, escreve:
    “Quem se confessa abre-se para uma mudança radical. Sem confissão não adquirimos a saúde mental. Nenhum psiquiatra tem a oportunidade de curar almas e mentes como o fazem os sacerdotes. A confissão evita a depressão, a ansiedade e as doenças mentais”.
    Reflitamos que precisamos realmente mudar a nossa mentalidade, a fim de que sejamos um homem novo para termos uma vida em plenitude. Tiremos do coração o absurdo em pensar que pecado e castigo têm ligação, pois em Deus não há mercantilismo ou chantagem. Saibam todos que conversão é retornar à vida. Deus crê em cada um de nós, crê que podemos mudar a nossa conduta passada para irmos de volta aos braços do Pai.
    Jesus é a fonte de água viva a qualquer um que queira viver. A CFE/2016 nos recorda e nos chama também a uma conversão, haja vista que:
    «A situação do saneamento básico no Brasil é dramática. De todas as mazelas ambientais do país nada se compara ao descomunal impacto à natureza e ao cidadão causado pela ausência dos serviços de saneamento básico em todo o território. Dados do Ministério das Cidades (base SNIS 2010) mostram um cenário em que 1 em cada 5 brasileiros ainda não possui sequer água tratada para beber. Mais da metade da população ainda não tem acesso à coleta dos esgotos e somente 38% do esgoto do país passa por algum tipo de tratamento antes de ser lançado na natureza.
    Significa que 62% do esgoto do país seguem para nossos rios, lagos, reservatórios, bacias hidrográficas e aquíferos da forma como sai dos nossos banheiros. É um volume equivalente a 6.300 piscinas olímpicas de esgoto por dia sendo jogado irresponsavelmente na água, que depois temos que tratar para beber.
    Principalmente nas maiores metrópoles, a poluição causada pelos esgotos é perversa, silenciosa, sorrateira… Acostumamo-nos a ela, não mais nos incomodamos com seu cheiro, “deletamos” as imagens feias da cidade, passamos por cima como se ela não existisse. Perpetuamos o problema ao não sinalizar claramente aos governantes a nossa repulsa pela vala negra na praia, pelo rio poluído, pelo esgoto escorrendo na rua. É um impacto ambiental que retorna ao cidadão nas doenças, que ajudam a colocar o Brasil como a 85ª. nação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mundial. A 6ª. mais importante economia do mundo ainda convive com descabidos surtos de diarreias, Hepatite A, verminoses, esquistossomose, dermatites e tantas outras enfermidades da água poluída» .

    Nesse sentido, o Papa Francisco, em sua mensagem de abertura da CFE, nos conclama a nos unirmos para, em conversão, fazermos a diferença nesse tempo de tantas necessidades: “Todos nós temos responsabilidade por nossa Casa Comum, ela envolve os governantes e toda a sociedade. Por meio desta Campanha da Fraternidade, as pessoas e comunidades são convidadas a se mobilizar, a partir dos locais em que vivem. São chamadas a tomar iniciativas em que se unam as Igrejas e as diversas expressões religiosas e todas as pessoas de boa vontade na promoção da justiçã e do direito ao saneamento básico”.
    Sem dúvida que nestes tempos de tantas doenças consequentes de tantos vetores, entre os quais na questão da saúde pública e do saneamento básico, somos convidados a colaborar para erradicar toda a possibilidade de proliferação do “aedes aegypti”, que tem atemorizado tantos e dado aos oportunistas lutar contra a vida das pessoas e pressionar para que valores importantes que a Igreja defende sejam destruidos. O que temos que destruir são os focos do mosquito, que transmite tantas doenças e pode levar à morte tantas pessoas. Isso também faz parte de nossa vida de conversão e preocupação com o outro.
    Rezemos juntos: “Pai Santo, Pai Querido, Pai amado, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade, que cada um de nós possa encontrar no jejum, na oração e no amor fraterno os remédios do pecado, e assim possamos nos converter de coração. Use, ó Pai, de paciência para conosco e fazei que a Palavra que escutamos dê fruto abundante em nossas vidas”.

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