“De repente, haviam duas mil pessoas na porta”

Recentemente o Papa Francisco disse que a Igreja deve ser como um “hospital em campo de batalha”. Na República Centro-Africana isso se tornou rotina diária. Milhares de pessoas buscam abrigo nas estações missionárias e nos mosteiros. O mosteiro carmelita que fica na capital Bangui também se transformou em um campo de refugiados. Normalmente o mosteiro é um lugar de silêncio, mas agora o grito de centenas de crianças pode ser ouvido dia e noite.

“Os franceses estão aqui! Até que enfim!” Aviões caças rompem as nuvens no céu acima do mosteiro carmelita. As pessoas aplaudem espontaneamente. O prior do mosteiro, padre Federico Trinchero, de 35 anos, está à beira das lágrimas. Talvez a ajuda esteja a caminho… Algumas horas antes o pânico eclodiu no distrito onde o mosteiro está localizado. Tiros podiam ser ouvidos; as mulheres agarraram seus filhos e corriam. Mais de duas mil pessoas se refugiaram no mosteiro.
“Na sexta-feira de manhã tínhamos celebrado a Santa Missa para muitas das pessoas que depois seriam mortas. Eu estava preparando o café da manhã quando fui chamado no portão. Do outro lado havia uma massa humana que fugia em busca de refúgio. Nós acolhemos a todos de braços abertos”, disse padre Federico. Mas os monges estavam por enfrentar um enorme desafio: “Eu contei as pessoas discretamente para que ninguém pensasse que não havia espaço para todos, mas era claro para nós que, mais um dia, nossa comida acabaria. Não podíamos deixar o mosteiro para comprar comida, pois era muito perigoso lá fora. Procuramos auxílio em todos os que eram possíveis: o Arcebispo, a nunciatura e embaixada francesa, mas a situação de calamidade era igual em todos os lugares.”
Yousuf, um amigo muçulmano do mosteiro que tinha uma granja, estava impedido de vender os ovos no mercado, por isso, deu aos padres 2.000 ovos. “Usamos os ovos para fazer panquecas para as crianças mais pequenas”, explicou o padre Federico com evidente prazer. Mais tarde, Yousuf trouxe um saco de arroz, um saco de açúcar e um tonel de óleo. “As crianças formaram filas para lavar as mãos antes de cada uma ganhar sua panqueca. Nós temos 800 crianças com menos de doze anos aqui e muitas mulheres grávidas.”
Padre Federico não se atreveu a perguntar sobre as histórias das pessoas que fugiram em pânico para o mosteiro. “Eu dou um sorriso tentando parar de chorar”, confessou. Dias antes, o arcebispo de Bangui, Dieudonné Nzapalainga, usou sua mensagem de Advento para mencionar sobre as atrocidades cometidas pelos rebeldes do grupo Séléka. Ele denunciou os sequestros, as execuções em massa e os saques. Até mesmo armas anti-tanque haviam sido disparadas em áreas residenciais. Ele descreveu que em muitos lugares era possível encontrar cadáveres em decomposição, espalhados pelo chão, fornecendo alimento para abutres e animais selvagens. Pessoas que tinham sido torturadas foram “presas de forma bestial” e jogadas no rio para “morrer em agonia, sem chance de afastar a morte inevitável.” Centenas de milhares de pessoas fugiram. Desde que o Conselho de Segurança da ONU concordou, na semana passada, em reforçar a presença das tropas francesas no país, as pessoas tentam acreditar que este pesadelo vai chegar ao fim.
A vida no mosteiro em Bangui é tudo, menos normal hoje em dia. “Celebramos a missa da manhã no pátio, para não despertar as 350 crianças que dormem na capela. Duas delas dormem debaixo do altar”, relatou padre Federico, visivelmente emocionado. Os monges estão de pé, dia e noite. “Eu encontrei o irmão Léonce, que veio de Ruanda, varrendo o corredor às cinco da manhã. Eu disse a ele que deveria descansar, mas ele me disse que ele próprio tinha nascido em um campo de refugiados no Congo, uma vez que sua família havia fugido do genocídio em Ruanda. Estou muito orgulhoso dos nossos irmãos. Irmão Cedric é um médico que se preocupa com os doentes. Irmão Mathieu comanda a cozinha de uma forma que nem mesmo uma mãe poderia fazer. Os outros ajudam a distribuir os alimentos, levar água, tomar cuidado com a higiene, registrar os refugiados e cuidar deles em todos os aspectos. Todos trabalham duro!”
Para muitos refugiados há um final feliz: “Um pai veio até nós com um pequeno bebê. Pela noite tínhamos finalmente conseguido encontrar sua esposa. E o pequeno Fatou finalmente encontrou os seus pais no domingo”, contou o padre Federico, claramente satisfeito.
Enquanto os padres cantam salmos, os gritos das crianças pequenas se misturam no canto. No céu o barulho das aeronaves francesas. “Deus Salva” é o nome de um menino que só conheceu o medo. Haverá em breve a paz?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Local: São Paulo (SP)
Fonte: Ajuda à Igreja que Sofre (AIS)