Presbítero: homem da doação

    Toda Quinta-feira Santa, o Bispo Diocesano, reunido na Catedral de sua Diocese, ou em datas próximas em algumas Igrejas de especial significado se as razões pastorais assim o permitirem, celebra a “Missa do Crisma”. Essa missa do Bispo, tendo ao redor o seu presbitério, celebra a unidade da Igreja ao consagrar o óleo do Crisma e ao abençoar o óleo dos catecúmenos ou do batismo e o dos enfermos. Dentro dessa Eucaristia, de maneira especial, relembra a instituição do Ministério Ordenado por Nosso Senhor Jesus Cristo, e celebra o dia do principal e imprescindível cooperador da ordem episcopal, que é o presbítero. Por isso, este é um dia de ação de graças, de bendizer e louvar a Deus pelos muitos benefícios que nossos sacerdotes, muitas vezes no escondimento diário de seu exercício de “alter Christus”, faz em favor do povo santo de Deus, em nome da Igreja e pela Igreja.

    A presença dos presbíteros no mundo esteve bem presente na reflexão do Concílio Ecumênico Vaticano II. O Decreto “Presbyterorum Ordinis” apresenta isto mesmo, entendendo que a sua postura deve ser de uma fidelidade de quem é consagrado e enviado e, sendo-o, é enviado consagrado (PO, 3).

    A sua espiritualidade está centrada na ação, na caridade apostólica e no compromisso com as necessidades pastorais, numa sociedade submetida a mudanças profundas. Isto mostra a importância dos documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II para uma renovação da consciência, ação e vida dos presbíteros, mesmo que tal tivesse levado a uma crise. A secularidade na espiritualidade do presbítero está muito presente; não se pode prescindir da sua identidade (PO, 3). O Papa Francisco, ao incrementar ainda mais a prática do Concílio Vaticano II, tem lembrado sempre essa presença do padre diante das situações de dor e injustiça nas periferias existenciais para onde o sacerdote é enviado para anunciar o Reino.

    As raízes apostólicas do ministério presbiteral estão relacionadas com a missão deixada pelos Apóstolos, o que leva os presbíteros a organizarem a sua vida segundo o amor a Cristo e à Igreja, poder-se-á dizer que tem o seu alicerce na Eucaristia, isto porque uma não existe sem a outra; a Eucaristia é lugar de encontro sacramental e de intimidade com Cristo que, pelo sacrifício eucarístico, se torna também comunhão e anúncio.

    A Eucaristia como memorial é a mesma e contínua Eucaristia que vivemos e celebramos que atualiza o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo. A Eucaristia é um bem comum de toda a Igreja, como “Sacramento da sua unidade”. Este mesmo amor a Cristo e à Igreja inicia-se no Cenáculo em Jerusalém. Foi aqui que Ele nos deixou o dom imenso da Eucaristia. Essa memória celebramos na noite da Quinta-feira Santa, na missa vespertina da Ceia do Senhor. Aqui nasceu, também, o nosso sacerdócio. Sempre que um sacerdote vive este momento e perante tal extraordinária realidade – que é a consagração das espécies eucarísticas – só nos resta ajoelhar e, em silêncio, adorar este mistério supremo da fé, até porque não podemos esquecer, nem sequer por um instante, que a Eucaristia é um bem peculiar de toda a Igreja. Ela é o dom maior que, na ordem da graça e dos sacramentos, o divino Esposo ofereceu e oferece incessantemente à sua Esposa.  São João Paulo II, numa carta dirigida aos presbíteros em 2004, recorda igualmente a íntima união entre sacerdócio e Eucaristia. O sacerdócio só faz sentido pela Eucaristia, pois, nós nascemos da Eucaristia.

    Jesus Cristo é o Único Sacerdote da Nova Aliança. Este mesmo sacerdócio é chamado pelo Pai desde o Princípio; daí o mistério do sacerdócio encontrar o seu início na Trindade, tendo a sua particularidade com a Encarnação, a partir do seio da Virgem Maria por ação do Espírito Santo. Como dizia São João Paulo II: “Para nós, enquanto sacerdotes, a Última Ceia é um momento particularmente sagrado; é um momento marcadamente cristocêntrico: recebemos, com efeito, o Sacerdócio de Cristo-Sacerdote, o único Sacerdote da Nova Aliança”. “Naquela noite santa, Ele chamou pelo nome, cada um dos sacerdotes de todos os tempos”. O olhar de Cristo fixou cada um dos sacerdotes, como fez com Simão e André, Tiago e João, Natanael…. Toda esta realidade de amor a Cristo e à Sua Igreja está, de fato, unida ao Sacerdote da Nova Aliança, fazendo de cada um deles sacerdotes da Nova Aliança e isto mesmo se iniciou da forma mais plena, isto é, Cristo inicia o Sacerdócio da Nova Aliança num contexto de oração. “O sacramento da Ordem imprime, na alma do sacerdote, um carácter específico, que, uma vez recebido, permanece nele como fonte da graça sacramental, de todos os dons e carismas próprios da vocação e serviço sacerdotal na Igreja”. Os Ministros da Eucaristia devem realizar a vontade de Cristo e da Igreja, deixando-se iluminar pela fé viva.

    O mistério sacerdotal é grande porque faz dos sacerdotes homens que amam sem limites, são sinais de unidade, homens do serviço, isto tudo na íntima relação e imitação de Jesus Cristo. O Lava-pés, como gesto de humildade, serviço, e que serve para ser imitado pelos sacerdotes, foi um exemplo referido. O sacerdote deve viver a realidade maternal da Igreja configurada com a realidade paternal do Espírito, para que seja esta a sua presença junto do povo, daí o continuar da ação do Espírito Santo na Igreja de cada dia. Aprofundar a vocação sacerdotal a partir do amor maternal e paternal de Deus, como recordava João Paulo I, já presente na Igreja e à qual é expressa como amadurecimento apostólico e espiritual. A certeza serena de que Cristo continua presente, que não nos deixou órfãos. Digamos que este mesmo amor é uma graça que Deus concede aos sacerdotes. Entendemos isto mesmo nas seguintes palavras: “A graça, portanto, é um dom puramente do Amor, que só no mesmo Amor, e não em qualquer outra coisa, tem a sua razão e a sua motivação. A graça é um dom por que é a prova de que o Homem é filho adotivo em Cristo, e daí o sacerdote ser administrador da graça”.

    Neste dia queria abraçar todos os sacerdotes, especialmente os de minha amada Arquidiocese, mas também muitos outros sacerdotes com quem pude me encontrar nestes anos, muitos deles ordenados por mim. Essa saudação é também a todos os padres que levam a sua missão no dia a dia de sua comunidade e com os desafios desse mundo em mudança. Mas, abraço, em primeiro lugar, os que estão doentes ou privados do exercício de seu ministério; aqueles que estão nas missões; aqueles que vivem em situação de risco; aqueles que estão machucados muitas vezes por incompreensões, por perseguições, por calúnias. Se é Ano Jubilar da Misericórdia, a autêntica misericórdia inicia em amar todos os ministros ordenados, agradecendo, em primeiro lugar, o seu precioso trabalho, seja ele nas paróquias, nos trabalhos administrativos, na formação de nossos seminários, no ensino, nos trabalhos sociais, na vida consagrada com seus vários carismas, nos serviços curiais, na assessoria ao bispo diocesano, nos organismos de governo, ou em nossos Tribunais Eclesiásticos. Todos, igualmente, têm um contributo único em favor do anúncio do Evangelho e do atendimento ao povo santo de Deus. Posso dar testemunho que nossos padres são homens do encontro, trabalhando para que os fiéis batizados possam ir ao encontro da Igreja, pela força do Espírito Santo, com renovado ardor missionário. Por isso, quero agradecer o trabalho de todos os padres e, saibam, amados filhos, que os tenho no coração e todos os dias rezo, rezo muito pela sua missão, para que sejamos arautos da unidade pedida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Recebam meu abraço afetuoso, com votos de força e coragem, e vamos juntos anunciar o Cristo Ressuscitado.

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