PINÇANDO O CRISTO

    Em tempos de pandemia, qualquer bombinha é trovoada. Igualmente, qualquer trovoada pode ser uma simples bombinha. Mas, às vezes, devemos colocar os pingos nos is de certas situações desnecessárias. Por exemplo: a fé católica está adotando em seus kits de objetos litúrgicos um novo instrumental. (Perdoem-me, mas também observo o exagero do modismo dos paramentos de muitos sacerdotes, preocupados -até inconscientemente- mais com a beleza de suas vestes litúrgicas, do que a riqueza da unção sacerdotal de que estão revestidos diante do povo). Parênteses fechado, eis a razão de minha indignação: estão pinçando o Cristo para oferece-lo ao povo. Isso mesmo! Em tempos de pandemia, um novo instrumental está sendo aceito por muitas paróquias como saneador do ato eucarístico: a pinça de hóstias.

                Já não nos bastam as polêmicas que temos, como a questão da comunhão na boca ou na mão, de pé ou de joelhos, de véus ou mangas compridas? Vamos distribuir o Cristo com uma pinça, um instrumental quase cirúrgico, como os talheres que a etiqueta humana inventou? Estaremos manipulando matéria com riscos de contaminação? Vale a preocupação, apesar de sua desnecessidade. Você tocaria o Cristo apenas com uma pinça?

                Não posso deixar de citar aqui um testemunho real, mesmo sem a permissão do seu protagonista. Tenho certeza de sua bênção. Fradão  é seu codinome. Pois bem: Fradão, diretor espiritual do grupo missionário do qual faço parte, o Meac, certo período de sua vida foi dependente do álcool. Como bem o sabemos, para um alcoólatra, por mais distante que esteja de sua abstinência, uma dose mínima de álcool é capaz de reanimar seu vício ou repetir situações de embriagues e até coma ou delírio, como se estive ingerido um porre de bebidas. Um meu amigo um dia ficou totalmente embriagado com um pedaço de bolo que continha vermute. Fradão é um desses. Abstinência total ou pane…

                Possuidor das ordens sacerdotais, foi autorizado a celebrar substituindo o vinho por suco de uva. Mas então se questionou: Que fé essa minha? Se digo no ato consagratório; “Este é meu sangue”, se bebo daquele cálice, estou dizendo que bebo do sangue verdadeiro do Cristo, como de sua carne, não do simples pão. Aquele vinho não mais era vinho, mas sangue. Sangue de Cristo! Então deixou de lado o suco e passou a consagrar o vinho, o vinho que se tornava sangue. Bebia do sangue, não do vinho. E para provar, bebia em doses cavalares, sem nunca ter se embriagado, nem obtido coma ou delírios por isso. Mas, quando fora da liturgia, só o cheiro do álcool já o repugnava!

                Isso é a fé eucarística. Porém, muitos cristãos católicos não a vivenciam com a clareza de espírito necessária diante do altar. “De fato, Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sabedoria. Não se envergonhe, portanto, de dar testemunho de nosso Senhor (2Tim 1,7-8), diria Paulo a Timóteo, num conselho claro e suscinto ao comportamento eclesiástico diante dos mistérios da fé. Não questionar, não demonstrar medo ou insegurança, mas dar testemunho.

                Então me pergunto: Como ficamos? Se a Eucaristia é o remédio que tantos anseiam, se nela estão contidos os maiores mistérios da nossa fé, se ali Cristo realmente se faz presente em corpo e alma e através desse mistério irradia seu poder e sua graça, se um simples toque ou desejo de alcança-lo e senti-lo em nossas vidas (a comunhão do desejo quando impossibilitados de sua prática – lembrem-se do milagre do toque em suas vestes e da pergunta: Quem me tocou?), se tudo isso constitui nossa fé eucarística, porque não tocá-lo, não recebe-lo de mãos devidamente ungidas ou purificadas por sua graça? Será que nosso Cristo está contaminado? Ou é nossa fé que padece?

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