A sombra e luzes

    Sem sombra de dúvida a incerteza sempre nos acompanha. Alguém, porém, já disse: se existe sombra é porque também existe luz. Verdade nua e crua, tanto no campo físico, quanto filosófico ou religioso. E sem luz também não pode haver sombra, só escuridão. Tal contraponto é fundamental para uma reflexão mais pé no chão sobre nossas crenças e descrenças, sobre nossa aceitação ou negação de fé ou mesmo nossas dúvidas em relação à vida espiritual em oposição à realidade material. Ou, para aqueles que vão logo à questão maior: a existência ou não de Deus.

    Para muitos, viver à sombra é mais reconfortante que sob uma luz escaldante. Preferem-na muito mais do que o constrangimento de se ver revelado, desnudo, despreparado, surpreendido pela transparência de uma luz que lhes inibe a liberdade de ações sem pudores. Seus atos e atitudes não necessitam das peias sociais, das normas e etiquetas familiares, das cobranças comportamentais ou das convenções religiosas. São donos de seus narizes. Meia luz lhes basta, desde que não lhes cobrem mais por isso. Agem sob a surdina de um livre arbítrio totalmente seu; só seu, de mais ninguém. Às favas direitos e deveres ou a vida de semelhantes! Sua vida lhes basta.

    Para outros, a luz é fonte de vida. O dia não se opõe à noite, mas a sucede ou antecede; caminham juntos no ciclo da vida. Não há nada mais prazeroso que um dia ensolarado. Ou uma noite estrelada, enluarada. Mesmo à noite, o esplendor de uma luz, tênue que seja, é sempre atrativa, reveladora. A estes, a noite está reservada ao repouso, a escuridão ao confronto com seus sonhos, à introspecção com suas verdades. Uma sombra é apenas um esboço, muitas vezes distorcido, da realidade que paira sobre nossos dias…

    Toda essa filosofia barata, mas real, possui um fundo pedagógico. O Mestre cristão dele se utilizou para nos ensinar sobre a realidade espiritual. Ele mesmo se disse luz do mundo. E acrescentou: “Aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Um caminho iluminado é mais fácil de trilhar, de evitar tropeços, de enxergar o horizonte, alcançar aquilo que se busca. Também enxergar a verdade divina. “Quem me vê, vê o Pai”, ensinou ainda. Esse é o grande trunfo daqueles que se põe a caminho, em busca da verdade de Deus. A fé, portanto, não é um caminho sombreado, escuro, oposto à realidade da luz que governa e conduz a humanidade. Ao contrário, é um caminho de revelações constantes, de descobertas diárias, de certezas absolutas na vida daqueles que assim conduzem seus passos rumo às promessas celestes. Pois do céu vem a Luz Maior, a luz verdadeira da luz verdadeira, como professa um bom cristão.

    Ora, se você ainda tropeça na incerteza das trevas, lembre-se que a escuridão é falta de luz, que esta ilumina o caminho e só ela torna tudo visível, até os mistérios que cercam nossa existência. Só no princípio houve o domínio das trevas, mas estas foram vencidas quando a Terra se pôs a bailar ao redor do Sol, proporcionando-nos o repouso da noite e a vitalidade do dia. Da mesma forma, orbitamos ao redor de Deus, nossa Luz, para que nos momentos de sombra possamos renovar energias e saudá-Lo dignamente à luz da gratidão pelos dias que nos deu. Pela vida, pelo discernimento, pela inteligência e sabedoria, pela ignorância às vezes, pela intrepidez, pela insegurança, pela estupidez, pela humildade, pela pequenez, por tudo o que somos, mesmo quando nossa sombra é apenas a silhueta daquilo que pensamos ser. “Porque somos uns ignorantes das coisas de ontem, nossos dias sobre a terra passam como a sombra” (Jó 8,9). Mas não podemos esmorecer por isso. “Toda dádiva boa e todo dom perfeito vem de cima: desce do Pai das luzes…” (Tg 1,17).

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