Robert Prevost, hoje papa Leão XIV, estudou matemática na Universidade Villanova, de 1973 a 1977, antes de entrar para a vida religiosa.
Não é uma formação comum, mas um papa formado em matemática não é surpresa para matemáticos católicos.
“A ideia básica é que o estudo da matemática sintoniza você com um certo tipo de realidades eternas”, disse James Franklin, professor aposentado da Escola de Matemática e Estatística da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, ao Register. “Com a prova matemática, você entende não apenas que o teorema de Pitágoras, por exemplo, é verdadeiro, mas também por que ele tem que ser verdadeiro em todos os mundos possíveis. Isso lhe dá uma âncora, uma posição intelectual firme a partir da qual você pode ser cético quanto ao fluxo e refluxo de opiniões nas ciências humanas, política etc.”.
Para Franklin, “especialmente nestes tempos pós-modernos, uma educação restrita às humanidades, direito, política etc. pode levar à visão historicista de que todas as ‘verdades’ estão ao nosso alcance e podem mudar com o tempo. Alguém com um diploma em matemática não será tentado a acreditar nisso. O que deve deixá-lo mais confiante na capacidade de alcançar verdades eternas”, disse Franklin.
Tempo propício
Prevost fez o ensino médio em um seminário agostiniano. Quando foi para Villanova, universidade agostiniana em Villanova, Pennsylvania, sabia que queria entrar para a ordem agostiniana depois da faculdade e tornar-se padre.
Se Prevost tivesse ido para a faculdade alguns anos antes, por volta da década de 1970, matemática não teria sido uma opção para ele.
Antes da turma de formandos de 1972, os candidatos ao sacerdócio na Ordem de Santo Agostinho, na província de Villanova, eram obrigados a se formar em filosofia. Naquele ano, a ordem permitiu que os alunos se formassem em outra área, desde que cursassem pelo menos 30 créditos em filosofia, segundo o padre agostiniano Michael Di Gregorio, que falou com o Register por e-mail.
Atualmente matemática não é uma raridade para candidatos ao sacerdócio. Cerca de 10% dos que serão ordenados padres antes do fim do mês nos EUA se formaram em matemática ou ciências exatas, segundo um estudo (link em inglês) do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB, na sigla em inglês.
O livro Catholic Bishops in the United States (Bispos Católicos nos Estados Unidos, em tradução livre), constata que 9% dos bispos americanos declaram ter diploma em ciências, tecnologia, engenharia ou matemática.
Ordem, beleza e verdade
“Muitas vezes, o tipo de pessoa que quer se tornar padre é o tipo de pessoa que vê ordem, beleza, verdade e os transcendentais no mundo, e as pessoas que veem essas coisas são naturalmente atraídas pela matemática”, disse Brad Jolly, que se formou em matemática na Universidade de Michigan e trabalhou por 29 anos na indústria de testes e medições eletrônicas.
Jolly, convertido ao catolicismo, reconhece que muitas pessoas não veem uma conexão óbvia entre matemática e o sacerdócio. É “de partir o coração”, diz.
Para ele, há uma conexão estreita entre matemática e teologia sistemática, que busca trazer ordem e coerência às doutrinas cristãs.
“Você passa do concreto para o abstrato”, disse Jolly. “E a matemática é onde as crianças realmente têm essa oportunidade pela primeira vez”.
“Ter um papa com formação matemática num momento como o de hoje é uma bênção”, disse Jolly. “Minha esperança é que ele aproveite essa capacidade de pensar sobre as coisas de forma abstrata”.
Jolly destacou que, na encíclica Fides et ratio (Fé e Razão) de 1998, o papa são João Paulo II disse que “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.
A importância da fé é óbvia para os crentes, disse Jolly. “Mas às vezes algumas pessoas negligenciam a parte da razão. E acho que a matemática nos ajuda a desenvolver isso. E acho absolutamente maravilhoso que tenhamos um papa matemático”.
Reino da certeza
“Não estou surpreso que o papa tenha estudado matemática, porque estou convencido de que Deus é um matemático”, disse o católico Martin Nowak, professor de matemática e biologia na Universidade Harvard, nos EUA, ao National Catholic Register, da EWTN. “Faz muito sentido que seu pastor na Terra seja um estudioso de matemática”.
A matemática “nos apresenta ao que eu gostaria de chamar de reino da certeza e da necessidade”, disse Carlo Lancellotti, professor de matemática no College of Staten Island, em palestra no Instituto João Paulo II em Washington, D.C., em dezembro do ano passado.
O rigor da matemática, disse ele ao Register esta semana, se presta a hábitos religiosos e a um modo de pensar religioso. “Numa frase, eu diria que a matemática nos educa a contemplar verdades eternas e perfeitas, e que para isso requer uma espécie de disciplina ascética: é preciso elaborar pacientemente todas as etapas da prova e se submeter à sua necessidade”, disse Lancellotti ao Register por e-mail.
Virtudes monásticas
O monge Beneditino Norman Hipps dá aula de matemática no St. Vincent College em Latrobe, Pensilvânia, de que foi presidente de 2010 a 2019. Ele foi obrigado a se concentrar em filosofia na graduação, enquanto se candidatava ao sacerdócio na década de 1960, o que fez em seus dois primeiros anos na faculdade. Só depois de dizer que não pretendia se tornar padre, foi autorizado a mudar sua especialização para matemática. Ele finalmente fez doutorado em matemática.
O irmão Norman vê a matemática como um excelente treinamento para um padre, mesmo que ele não tenha se tornado um.
“A matemática é um campo interessante de estudo, seja ela pura ou aplicada. Ela tem o rigor necessário — provar algo que precisa ser provado, para que outras pessoas se convençam do seu argumento — mas também exige uma boa dose de intuição”, disse o irmão Norman ao Register por telefone.
“Em termos desses tipos de coisas que um padre precisa fazer, seja pensar corretamente, ou estar atento a diferentes maneiras de olhar para uma situação, e às vezes ficar surpreso que algo que parece não ser verdade seja verdade quando você junta as peças corretamente, eu acho que é um ótimo campo para qualquer um que queira ser um ministro — ou buscar a Deus, para colocar em termos monásticos”, disse ele.