Isabella Piro – Cidade do Vaticano
Passados 700 anos da sua morte, ocorrida em 1321 em Ravena, em doloroso exílio da amada Florença, Dante ainda nos fala. Fala a nós, homens e mulheres de hoje, e nos pede para não somente ser lido e estudado, mas também, e sobretudo, ouvido e imitado no seu caminho rumo à felicidade, isto é, ao Amor infinito e eterno de Deus. Assim escreve o Papa Francisco na Carta apostólica “Candor lucis aeternae – Esplendor da vida eterna”, publicada hoje, 25 de março, Solenidade da anunciação do Senhor. A data não é casual: o mistério da Encarnação, que brota do ”Eis-me” de Maria – explica o Pontífice –, é com efeito “o verdadeiro centro inspirador e o núcleo essencial” de toda a “Divina Comédia”, que realiza “a divinização”, isto é, o “prodigioso intercâmbio” entre Deus que “entra na nossa história fazendo-Se carne” e a humanidade, que “é assumida em Deus, no Qual encontra a verdadeira felicidade”.
Atualidade e perenidade
Dividida em nove parágrafos, a Carta apostólica se abre com um breve excursus que Francisco faz do pensamento de diversos Pontífices sobre Dante. Na sequência, o Papa se detém sobre a vida de Alighieri, definindo-a “paradigma da condição humana” e destacando “a atualidade e a perenidade” da sua obra. Esta, com efeito, é “parte integrante da nossa cultura – escreve o Papa –, remete-nos para as raízes cristãs da Europa e do Ocidente, representa o património de ideais e valores” propostos também hoje pela Igreja e pela sociedade civil como “base da convivência humana”, na qual podemos e devemos “reconhecer-nos todos irmãos”.
Dois são os temas centrais da “Divina Comédia” – explica ainda Francisco – ou seja, “o desejo, presente no ânimo humano” e “a felicidade, dada pela visão do Amor que é Deus”. Por isso, Dante é “profeta de esperança”: porque com a sua obra, impulsiona a humanidade a libertar-se da “selva escura” do pecado para reencontrar “a reta via” e alcançar, assim, a “plenitude de vida na história” e a “bem-aventurança eterna em Deus”. O caminho indicado por Dante, uma verdadeira “peregrinação” – evidencia o Pontífice – é “realista e possível” para todos, porque “a misericórdia de Deus oferece sempre a possibilidade de mudar, converter-se”.
Três mulheres e um santo
Além disso, a Carta apostólica dá relevância a três figuras femininas da “Divina Comédia”: Maria, Mãe de Deus, emblema da caridade; Beatriz, símbolo da esperança, e Santa Luzia, imagem da fé. Estas três mulheres, que evocam as três virtudes teologais, acompanham Dante em várias fases do seu peregrinar, demonstrando o fato de que “não nos salvamos sozinhos”, mas que é necessária a ajuda de quem “possa apoiar e guiar com sabedoria e prudência”. Maria, Beatriz e Luzia, com efeito, são sempre movidas pelo amor divino, “a única fonte que pode nos doar a salvação”, “o renovamento da vida e a felicidade”.
O Pontífice dedica um parágrafo a São Francisco, que na obra dantesca é representado na “cândida rosa dos bem-aventurados”. Entre o Pobrezinho de Assis e o Sumo Poeta, o Papa entrevê “uma profunda sintonia”: ambos, com efeito, se dirigiram ao povo, o primeiro “foi para o meio do povo”, o segundo escolhendo não usar o latim, mas a vulgata, “a língua de todos”. Além disso, ambos se abrem “à beleza e ao valor” da Criação, espelho do seu Criador. Artista genial, cujo humanismo “ainda é válido e atual”, Alighieri também é – afirma Bergoglio – “um precursor da nossa cultura multimediática”, porque na sua obra se fundem “palavras, símbolos e sons” que formam “uma única mensagem”.
Novas gerações
Congratulando-se, por fim, com os professores que conseguem “comunicar com paixão a mensagem de Dante, introduzir no tesouro cultural, religioso e moral” da sua obra, Francisco pede, porém, que este “patrimônio” não permaneça fechado nas salas das escolas e universidades, mas seja conhecido e difundido graças à contribuição das comunidades cristãs e das associações culturais. Também os artistas são chamados em causa: Francisco os encoraja a “a dar forma, cor e som à poesia de Dante, ao longo da via da beleza”, de modo a difundir “mensagens de paz, liberdade, fraternidade”. Uma tarefa mais relevante do que nunca neste momento histórico marcados por sombras, degradação e falta de confiança no futuro, destaca o Papa. O Sumo Poeta – conclui a Carta apostólica – pode então “ajudar-nos a avançar, com serenidade e coragem, na peregrinação da vida e da fé que todos somos chamados a realizar até o nosso coração encontrar a verdadeira paz e a verdadeira alegria, até chegarmos à meta última de toda a humanidade, «o amor que move o sol e as mais estrelas»”.