Papa: Cúria muda para servir melhor a humanidade

No tradicional encontro para as felicitações natalinas de 2019 à Cúria Romana, o Papa fala sobre as transformações que estão sendo realizadas nas instituições vaticanas, reiterando necessidades e objetivos dos novos dicastérios. Mudamos, disse o Papa, para vencer rigidez e medos e anunciar melhor o Evangelho para um mundo descristianizado

Alessandro De Carolis – Cidade do Vaticano

No mundo que muda, a Cúria Romana não muda simplesmente para “seguir modas”. A Igreja vive o desenvolvimento e o crescimento a partir da perspectiva de Deus e a história da Bíblia é toda “um caminho marcado por começos e recomeços”. Por isso que um dos novos Santos, o cardeal Newman, quando falava de “mudança” na realidade queria dizer “conversão”.

Desafio e inércia

O Papa recebeu na Sala Clementina para as felicitações de Natal, os seus colaboradores mais próximos da Cúria Romana. Antes de levar o discurso ao ponto que lhe está no coração, Francisco convidou os presentes a sintonizarem-se em uma convicção que subentende e acompanha desde o início do seu magistério, ou seja: a época atual “não é simplesmente uma época de mudanças, mas é uma mudança de época”. Acrescentando também que “o comportamento saudável” é o de “se deixar interrogar pelos desafios do tempo presente”, com discernimento e coragem, e não se deixar seduzir pela cômoda inércia de deixar tudo como é:

Muitas vezes vive-se uma mudança limitando-se a vestir uma roupa nova, mas na realidade permanece-se como era antes. Recordo a expressão enigmática que se lê em um famoso romance italiano: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude” (O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa)

Entre novidade e memória

A articulada premissa chega ao tema da reforma da Cúria Romana que, sustenta o Papa, “nunca teve a presunção de fazer como se antes nada tivesse existido”, mas apostou no contrário “em valorizar tudo o que foi feito de bom na complexa história da Cúria”.

É obrigatório valorizar a sua história para construir um futuro que tenha bases sólidas, que tenha raízes e possa nos levar a um futuro fecundo. Apelar-se à memória não quer dizer ancorar-se na autoconservação, mas reconvocar a vida e a vitalidade de um percurso em contínuo desenvolvimento. A memória não é estática, é dinâmica. Por sua natureza implica o movimento.

Mudar para anunciar

Neste ponto do discurso Francisco passa em resenha “algumas novidades da organização curial, como a criação no final de 2017 da Terceira Seção da Secretaria de Estado (Seção para os funcionários diplomatas da Santa Sé, ndr), junto com outras mudanças ocorridas, recorda, nas “relações entre Cúria Romana e Igrejas particulares” e na “estrutura de alguns Dicastérios, em particular o das Igrejas Orientais e outros para o diálogo ecumênico e inter-religioso, em particular com o Judaísmo”. Mas foi principalmente a constatação – já evidente no tempo de João Paulo II e de Bento XVI – de um mundo que não é mais consciente do Evangelho como no passado, a requerer, explica Francisco, profundas reestruturações de dicastérios históricos ou a sugerir o nascimento de novos.

Ao se referir à Congregação para a Doutrina da Fé e à Congregação para a Evangelização dos Povos, o Papa observa que quando “foram instituídas, era uma época na qual era mais simples distinguir entre dois divisores definidos: de um lado o mundo cristão e de outro um mundo ainda a ser evangelizado”.

Hoje não existe mais esta situação. As populações que ainda não receberam o anúncio do Evangelho não vivem apenas nos continente não ocidentais, mas estão em todos os lugares, especialmente nas grandes concentrações urbanas as quais requerem uma pastoral específica. Nas grandes cidades precisamos de outros “mapas”, de outros paradigmas, que nos ajudem a reposicionar o nosso modo de pensar e as nossas atitudes: não estamos mais na cristandade, não estamos mais!

Evangelho e cultura digital

Por isso, o que remodelou as instituições vaticanas foi o impulso a um renovado anúncio do Evangelho. Conforme o Papa já tinha esclarecido na Evangelii gaudium: costumes, estilos, horários e linguagem, tudo deve ser “um canal adequado à evangelização do mundo atual, mais do que para a autopreservação”. E para esta necessidade corresponde o nascimento do Dicastério para a Comunicação, entidade que une nove setores da mídia vaticana que antes eram separados entre eles. Não um simples “agrupamento coordenativo”, esclarece, mas um modo de “harmonizar” para “produzir uma melhor oferta de serviços” em uma cultura amplamente digitalizada”.

A nova cultura, marcada por fatores de convergência e multimidialidade, precisa de uma resposta adequada por parte da Sé Apostólica no âmbito da comunicação. Hoje, com relação aos serviços diversificados, prevalece a forma multimídial, e isso marca também o modo de criá-los, pensá-los e atuá-los. Tudo isso implica, junto com a mudança cultural, em uma conversão institucional e pessoal para passar de um trabalho completamente isolado – que nos casos melhores tinha alguma coordenação – a um trabalho conectado, em sinergia.

Uma estrutura, muitos serviços

O mesmo destino coube ao Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral criado para tornar mais coerente e unitário o trabalho que estava dividido entre os Pontifícios Conselho Justiça e Paz, Cor Unum, Pastoral dos Migrantes e Pastoral no Campo da Saúde.

Portanto a Igreja é chamada a recordar a todos que não se trata apenas de questões sociais ou migratórias, mas de pessoas humanas, de irmãos e irmãs que hoje são o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada. É chamada a testemunhar que para Deus ninguém é “estrangeiro” ou “excluído”. É chamada a despertar as consciências adormecidas na indiferença diante da realidade do Mar Mediterrâneo que se tornou para muitos, demasiados, um cemitério.

O amor vence o cansaço

Portanto entre os “grandes desafios” e “necessários equilíbrios”, o que conta é que a Igreja, a Cúria Romana por primeiro, olhe à humanidade na qual todos são “filhos de um único Pai”. Francisco não esconde a dificuldade de mudanças tão grandes, a necessidade de gradualismo, “o erro humano”, com os quais, diz, “não é possível, nem justo não considerar”. “A este difícil processo histórico está sempre ligada a tentação de se fechar no passado (mesmo usando novas formulações), porque é considerado mais garantido, conhecido e, certamente, menos conflitual”.

Neste ponto é preciso colocar em alerta a tentação de assumir um comportamento rígido. A rigidez nasce do medo da mudança e termina por disseminar limites e obstáculos no terreno do bem comum, fazendo com que se torne um campo minado de incomunicabilidade e de ódio. Recordemos sempre que por trás de toda a rigidez jaz algum desequilíbrio. A rigidez e o desequilíbrio se alimentam mutuamente em um círculo vicioso.

Na conclusão, o Papa cita as palavras do cardeal Carlo Maria Martini que, pouco antes da sua morte afirmou: “A Igreja ficou para trás 200 anos. Por que não se mexe? Temos medo? Medo ao invés de coragem? De qualquer modo a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. […] Só o amor vence o cansaço”.

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