Gabriella Ceraso – Cidade do Vaticano
Ele havia nos pedido para rezar pelo Afeganistão, lançando um apelo pelos microfones da Rádio Vaticano no início do advento do Talibã. Hoje ele volta a falar conosco em um cenário completamente transformado. Padre Giovanni Scalese, Superior da Missio sui iuris no Afeganistão, o único sacerdote católico presente no país, voltou à Itália e, com ele, outros católicos, como as irmãs de várias Congregações que até agora exerciam seu silencioso, mas frutífero serviço e cuidado com os mais frágeis.
No coração de Cabul, ele foi por muito tempo o guardião de toda a comunidade católica e compartilhou anos de grandes dificuldades relacionadas à segurança e à Covid. Agora tudo acabou, mas não a esperança de voltar: não há motivação política na presença católica em Cabul, mas apenas serviço, estes foram os acordos originais de cem anos atrás e assim foi feito. Neste sentido, repete-nos padre Scalese: “Se nos for dada a possibilidade de regressar, por que não? Não cabe a nós decidir quem deve governar o país”.
E depois a entrega com voz comovida: “Maria, que até agora nos protegeu, terá a mesma materna proteção para com o povo afegão e com uma nação que a ela consagramos”.
Padre Scalese, alguma vez o senhor chegou a pensar que teria que deixar o Afeganistão desta maneira? E quais são seus sentimentos hoje?
Certamente, ninguém imaginava ter que deixar o país desta forma. Eu poderia pensar em um revezamento depois de sete anos, seria previsível chegar a uma substituição, mas não dessa forma, pensava de uma forma mais normal. Mas a vida também nos reserva essas surpresas … O que mais sinto neste momento é a satisfação de que tudo aconteceu da melhor maneira, que conseguimos chegar com as irmãs e as crianças e que estamos todos bem. Agradecemos ao Senhor por isso. Lamentamos ter que deixar um país em extrema necessidade e não poder continuar a prestar nosso serviço. Esperamos que tudo se resolva em pouco tempo e que existam as condições para poder retomar o trabalho que a Igreja estava realizando no Afeganistão.
Como foi sua vida de sacerdote no Afeganistão? O senhor representou a Santa Sé no contexto da embaixada italiana, em um Estado confessional, sendo a capela o único ponto de referência para religiosos, religiosas e fiéis. Como o senhor viveu tudo isso?
Eu era o responsável pela Missão Católica no Afeganistão, mas foram anos muito difíceis porque não se podia realizar missão com tranquilidade. O próprio fato de não poder sair da embaixada, não porque alguém impedisse, mas porque não existiam condições de segurança para o fazer, e depois nos últimos dois anos, aos motivos de segurança, somaram-se os motivos sanitários que levaram ao lockdown total também na Embaixada e os fiéis não podiam nem mesmo ir à Missa. Foram anos difíceis e a minha foi uma presença, certamente, mas não pude exercer uma atividade pastoral como acontecia em outras épocas. As irmãs, por outro lado, puderam realizar seu trabalho social e de caridade até o fim, e agora, infelizmente, elas também tiveram que interromper tudo e sentimos muito por isso. No entanto, esperamos poder retomar em breve.
Poder-se-ia falar de “sementes” plantadas pelas ações, se não se pode falar de “evangelização” …?
É difícil falar de evangelização direta, ela é proibida pelos acordos feitos já há um século, quando foi permitida a presença de um sacerdote católico e de uma igreja dentro da Embaixada. Falamos de uma evangelização indireta, de um testemunho dado pela Igreja não só com um sacerdote, mas também com religiosos. Antes da presença das Irmãs de Madre Teresa e das religiosas da ONG Pro Bambini de Cabul, de fato, não podemos esquecer os sessenta anos de presença das Pequenas Irmãs de Jesus que tiveram que deixar seu trabalho depois de muito tempo. Também nesse caso tratou-se apenas de uma presença e de um testemunho, mas extremamente importante e fecundo.
Nas imagens destes dias, a fuga de mulheres, jovens famílias, pais e filhos: o que isso significa para os que ficam e para o Afeganistão do futuro?
Naturalmente que estamos felizes que tantos tenham encontrado um local seguro. Esperamos que na Itália e em outros países eles possam se integrar, mas certamente para o Afeganistão é um empobrecimento também, pois se trata de pessoas preparadas, com competências consideráveis de que o país agora terá que viver sem. Mas, esperamos que possam ser substituídos por outros, mas certamente a sociedade ficará mais pobre com a falta deles.
As mudanças que constatamos causam medo. Muitas previsões já estão se concretizando, como ataques terroristas e violência. Qual seu maior temor em relação ao país que deixou para trás e o qual sua esperança?
Os temores são de que haja uma degeneração violenta também devido a interferências externas. Em vez disso, a esperança é que possa existir uma colaboração interna entre os vários componentes da sociedade afegã, que possam chegar a um acordo, colaborar entre si e reconstruir um país martirizado por 40 anos de guerras.
Qual será o futuro da Igreja e da presença católica no país?
Estamos acompanhando como evolui a situação: se em algum momento vermos que será possível retomar nossas atividades, por que não … Não estávamos e não estaremos no Afeganistão por motivos políticos, não cabe a nós decidir quem deve governar o Afeganistão: se nos for permitido realizar o nosso serviço, estaremos à disposição.
Existe alguma experiência que o senhor carrega dentro de si e na qual pensa agora que está distante de Cabul?
Neste momento tenho dificuldade em focar no passado, mas talvez o momento mais importante destes sete anos foi o ato de consagração ao Imaculado Coração de Maria que realizamos no dia 13 de outubro de 2017, no final do centenário de Fatima. Consagramos a missão e o Afeganistão a Nossa Senhora. Por isso, estou profundamente convencido de que Nossa Senhora zelará por este país como ela zelou por nós, tanto que conseguimos nos salvar. Portanto, estou confiante de que a mesma proteção materna também será exercida em relação ao povo afegão.