Os caminhos pastorais latino-americanos

    O Papa Francisco dirigiu, no dia 12 de outubro do ano passado, uma Carta ao Celam (Conselho Episcopal Latino Americano) com felicitações pelos seus sessenta anos de existência e grandes trabalhos em prol da América Latina.
    Nela, o Santo Padre, escrevendo em espanhol – a sede do Celam está em Bogotá, na Colômbia – faz votos de que todo trabalho pastoral e missionário empreendido em nosso continente continue a dar bons frutos, e que as comunidades paroquiais sejam verdadeiras escolas de comunhão a acolher todos, de um modo muito particular os mais fracos e sofridos nas suas agruras diárias, promovendo a justiça e a paz. Coloca, por fim, toda a América Latina e o Caribe com seus povos sob a proteção de Nossa Senhora de Guadalupe, nossa principal Padroeira, a Mãe de Deus e nossa, a interceder por nós diante de seu amado filho Jesus Cristo.
    Queremos, a partir desta breve, mas importante mensagem do Papa, lembrar que é praticamente impossível falar dos inícios do Celam sem se lembrar, em seus primórdios, do episcopado brasileiro e, especialmente, da criação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) como ponto de grande importância para o surgimento do Conselho Episcopal Latino Americano. É bom ressaltar que a CNBB foi fundada na sala nobre do Palácio São Joaquim, aqui no Rio de Janeiro, sendo fundamental o papel, na sua fundação, de Dom Jaime de Barros Câmara, então Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
    Isso sem deixar de lembrar outras reuniões do episcopado nacional que já ocorriam em datas distantes dos anos de 1950, sempre tendo em vista mostrar que a Igreja é Una, mas possui, em cada região, problemas vários a serem debatidos e tratados com seriedade e responsabilidade dentro do espírito evangélico. Assim, importa lembrar de um fato importante: extinto o Regime de Padroado, que mantinha a Igreja atrelada ao Estado, e não raras vezes fazendo-a sofrer forte ingerência dele em temas eclesiais, os Bispos do Brasil puderam receber e aplicar melhor as normas vindas da Santa Sé. Apenas para lembrar aos leitores: antes da separação entre Igreja e Estado as normas emanadas dos Papas ou de outros organismos vaticanos só entravam em vigor em nossa Pátria com o beneplácito ou aprovação do Império Brasileiro.
    Pois bem, em 18 de setembro de 1899, o Papa Leão XIII escrevia a Carta Encíclica Paternae, comemorando o IV Centenário da descoberta das Américas. Nela, exortou os Bispos a fazerem crescer a fé que animou Cristovão Colombo e os primeiros missionários de nossas terras. Antes, convocara um Concílio Plenário aos Bispos da América Latina pelas letras apostólicas Cum diuturnum, de 25 de dezembro de 1898.
    Esse “Concílio Plenário Latino-Americano inaugurou-se a 28/05/1899, com a participação de 13 arcebispos e 40 bispos, entre os quais nove brasileiros, e mais os arcebispos de Salvador, do Rio de Janeiro e três sacerdotes como notários. O Concílio se desenrolou dentro das regras pré-estabelecidas. Os bispos latino-americanos tiveram efetiva atuação, em plena comunhão com o Sumo Pontífice. Trataram particularmente de assuntos relativos à fé e sua difusão, à pastoral, à disciplina do clero, ao culto e à dignidade e missão dos próprios bispos. Os decretos do Concílio foram aprovados pelas letras apostólicas Jesus Christi Ecclesiam, de 01/01/1900” (Mons. Maurílio C. de Lima. Breve História da Igreja no Brasil. Rio de Janeiro: Restauro, 2001, p. 152).
    Desse Concílio Plenário, saiu a resolução segundo a qual os bispos latino-americanos deviam se reunir com certa frequência para consultas e acertos de rumos diante dos desafios que a tarefa evangelizadora impõe em seus respectivos contextos. Daí, o Cardeal Mariano Rampolla, então secretário de Estado da Santa Sé, ter emitido uma Instrução determinando que os bispos da América Latina se reunissem a cada três anos. Ora, essa decisão foi importante e estimulou esses bispos a promoverem diversas reuniões nacionais, cabendo destaque àquela ocorrida em 1915, em Nova Friburgo (RJ), que publicou a famosa Pastoral Coletiva, norteadora da Igreja do Brasil por muitas décadas.
    Abrangente, essa Pastoral se subdividia em seis capítulos: profissão de fé, pregação, doutrina cristã, auxiliares do pároco no ensinamento da doutrina cristã, perigos contra a fé, principais erros modernos, conservação da fé, e escolas católicas. A apologética (defesa da fé) se fazia presente em todos os assuntos, e a figura do clérigo ganhou particular destaque, tocando a ele a regência das irmandades leigas (cf. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti e outros. Pastoral Coletiva dos Srs. Arcebispos e Bispos das províncias eclesiásticas de São Sebastião do Rio de Janeiro, Mariana, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre, p. 10-11, 39-40, 365-380).
    Propôs-se, tempos depois ainda, talvez devido à experiência latino-americana anterior, a realização de um Concílio Plenário Brasileiro. A proposta teve boa repercussão e, em 22 de maio de 1939, o Papa Pio XII investiu, pela Carta Apostólica Allatum est nobis, Dom Sebastião Leme, Arcebispo do Rio de Janeiro, como legado pontifício para presidir o Concílio. Uma vez nomeado, ele convocou o episcopado nacional, os representantes dos Cabidos de Cônegos e os superiores de Ordens e Congregações religiosas, sendo que os Bispos tinham direito ao voto deliberativo e os demais a voto consultivo. Daí saíram normas orientadoras e decisórias para a Igreja naqueles anos, contando o documento final com 489 cânones e 71 apêndices subscritos por 19 arcebispos, 63 bispos e 16 prefeitos apostólicos (cargo hoje extinto) assinado por si mesmos ou via procuradores (cf. Lima, op. citado, p. 164-165).
    Mais um fato aparece: em 14 de outubro de 1952, se reuniu pela primeira vez, no Rio de Janeiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com 20 Arcebispos e o Núncio da época. Essa obra aqui surgida, de fato, era um antigo sonho do Servo de Deus Dom Helder Câmara, então Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, com a seguinte justificativa retratada por Sérgio Bernal: “Para Dom Helder era claro que a união dos Bispos se fazia cada vez mais necessária, pois a complexidade dos problemas exigia um esforço conjunto… Num país tão extenso como o Brasil, era necessário um órgão que tratasse de coordenar a ação da Igreja, ajudando a enfrentar os problemas a cada dia mais complexos. Os objetivos que a nova instituição pretende são modestos. Trata-se de uma reunião de Bispos, com caráter amistoso e fraterno, que buscará o estudo e a tomada de decisões sobre temas importantes. Essas decisões não têm caráter jurídico obrigatório” (Da Igreja da Cristandade à Igreja dos pobres. São Paulo: Loyola, 1989, p. 31-32 apud Amaury Castanho. Presença da Igreja no Brasil. 1900-2000. Jundiaí: Jundiá, 1998, p. 137).
    A fundação da CNBB, com pleno apoio do Papa Pio XII, que teve como primeiro presidente o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, Arcebispo de São Paulo, e como primeiro secretário Dom Helder Câmara, Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, certamente, como dizíamos, inspirou a fundação do Celam três anos depois, ou seja, em 1955, por anuência do mesmo Papa, com a primeira assembleia também na mesma cidade do Rio de Janeiro, no salão nobre do Palácio São Joaquim. A partir daí, esse organismo muito tem ajudado a Igreja latino-americana com seu Conselho permanente, que realiza assembleias anuais, ou com as grandes Conferências realizadas de tempos em tempos, sendo a última em 2007, na cidade de Aparecida, capital da fé e capital mariana do Brasil.
    Pois bem, tivemos até aqui cinco Conferências do Episcopado Latino Americano e Caribenho organizados pelo Celam. A primeira foi a da fundação, em 1955, no Rio de Janeiro, Brasil. Tratou, entre outras coisas, da própria vida e organização da entidade recém-nascida para congregar os Bispos da América Latina e depois também do Caribe, bem como dos desafios pastorais e sociais do nosso continente. A segunda realizou-se em Medellin, na Colômbia, em 1968, com a presença do Beato Papa Paulo VI, e acentuou a necessidade de um projeto de evangelização que se voltasse também para o social. Afinal, a libertação do ser humano há de ser plena: quem fala à alma deve buscar também o melhor para o corpo do ouvinte, pois o ser humano é espírito e matéria.
    A terceira se deu em Puebla, no México, em 1979, e tratou da opção preferencial, porém não exclusiva nem excludente, pelos pobres, de acordo com a Doutrina Social da Igreja em sintonia com o Magistério. Teve a graça de contar com a presença do Papa São João Paulo II, recém-eleito para o ministério petrino. A quarta ocorreu em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992, e, no contexto do aniversário da descoberta da América, pensou na importância da evangelização inculturada, ou seja, sem desmerecer as decisões de Conferências anteriores, voltar-se aos fiéis em seus respectivos contextos socioculturais. A quinta teve lugar em Aparecida, novamente no Brasil, em 2007, e contou com a presença do Papa Bento XVI. Saiu com destaque o Documento de Aparecida, estimulando a Igreja a ser aprendiz e pregadora, ou discípula e missionária de Jesus Cristo no século XXI, que teve como coordenador do texto final o então Arcebispo de Buenos Aires, Cardeal Jorge Mario Bergoglio, SJ.
    Isto que aqui brevemente expusemos, demonstra que as cinco Conferências realizadas, bem como a presença dos Papas em várias delas, só demonstram o apreço dos Santos Padres pela América Latina e a importância que teve, no geral, embora se destaque mais o nome de um ou outro Bispo, o episcopado nacional, sempre unido, na criação da CNBB, a inspiradora próxima, sem dúvida, do Celam. Enquanto a primeira busca, não obstante as diferenças regionais ou pessoais de cada Bispo, a unidade nacional do episcopado, a segunda, em idênticas circunstâncias, deseja e se esforça pelo mesmo objetivo em nível continental.
    Seja essa breve retrospectiva histórica um preito de gratidão a todos os que já deram no passado seu contributo ao Celam, bem como aos que se dedicam no presente e àqueles que estão sendo por Deus preparados para contribuir no futuro. É certo que, ora mais ora menos bem interpretada, a palavra e a ação da Igreja nunca faltou em nenhum momento da nossa história latino-americana, tão variada culturalmente, mas também tão sofrida com desmandos de várias ordens e que requerem a atenção de cada um de nós, se realmente quisermos ser discípulos e missionários de Jesus Cristo no nosso tempo.

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