O Dia Mundial da Paz, celebrado pela Igreja Católica no dia 1º de janeiro, é muito mais do que um simples evento de reflexão. Ele representa uma convocação para todos os cristãos se comprometerem com a construção de um mundo mais pacífico, justo e solidário. Porém, antes de ser um momento de análise dos problemas globais, o Dia Mundial da Paz nos convida a considerar o perdão como a chave para alcançar a paz verdadeira — uma paz que vai além da ausência de conflitos, e que busca uma transformação profunda das relações humanas, das estruturas sociais e até das dinâmicas globais. Em 2025, o Papa Francisco escolherá focar sua mensagem na importância do perdão, um passo essencial para restaurar a paz, não só no plano pessoal, mas também nas realidades sociais e políticas que alimentam a violência, a injustiça e a desigualdade.
O perdão, segundo o Papa Francisco, não é apenas uma ação de reconciliação pessoal, mas um processo que exige uma mudança de coração e mente. Em um mundo onde o ressentimento, a vingança e as mágoas se acumulam, o cristão é chamado a ser um farol de luz e esperança, promovendo a misericórdia como um remédio para a divisões profundas que nos separam. Essa mensagem vai ao encontro da oração mais fundamental da tradição cristã, o “Pai Nosso”, que nos ensina a pedir a Deus: “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.” Aqui, o perdão se apresenta como um princípio central não apenas para o indivíduo, mas também para a construção de uma paz duradoura no mundo.
O perdão que a Igreja propõe é, sem dúvida, um processo difícil e desafiador. Requer de cada um de nós uma profunda conversão interior, que envolve superar orgulho, ódio e o impulso de vingança. Quando perdoamos, não apenas libertamos o outro da culpa, mas também nos libertamos das correntes que nos prendem ao sofrimento do passado. O perdão, portanto, é um desafio diário para todos os cristãos, especialmente em um mundo onde as feridas parecem nunca cicatrizar, e onde a raiva é constantemente alimentada pelas tensões sociais e políticas.
Porém, o perdão não se limita a nossas relações pessoais ou familiares. O Papa Francisco nos lembra que as estruturas sociais que perpetuam a injustiça e a opressão também precisam ser transformadas. O perdão deve, portanto, ser estendido ao perdão social e político, ou seja, à capacidade de perdoar e reconstruir a partir das feridas coletivas que a humanidade carrega: a pobreza, a discriminação, a desigualdade racial e de gênero, a violência e a exploração dos mais fracos.
Neste sentido, o perdão é mais do que uma atitude pessoal de compaixão; ele é uma ação transformadora que exige que as sociedades e os governos também busquem a justiça social e a reconciliação coletiva. Para que a paz verdadeira seja alcançada, não podemos simplesmente pedir perdão a Deus pelas nossas faltas, mas também precisamos trabalhar para corrigir as estruturas injustas que perpetuam a desigualdade e a violência. O perdão, como ensina o Papa Francisco, deve ser a base para criar um novo mundo, mais justo e digno para todos.
Quando falamos de paz, é importante compreender que ela não é apenas a ausência de guerra ou da violência aberta, mas também a presença de justiça, de solidariedade e de misericórdia em todos os aspectos da vida humana. A paz verdadeira não pode ser construída sobre o medo, a indiferença ou a exploração. Para os cristãos, ela exige que cada um de nós ativamente participe da construção de uma sociedade mais justa e solidária, que combata a pobreza, a discriminação, a exclusão social e as políticas que favorecem a opressão.
O Papa Francisco, em suas mensagens sobre a paz, sempre ressalta que a paz duradoura se constrói quando as pessoas buscam, juntas, um mundo em que todos tenham as mesmas oportunidades e onde as divisões sociais e econômicas sejam superadas. Ele nos convida a ver a paz não como uma conquista de um momento, mas como uma missão contínua, que exige de nós ação concreta em todas as áreas da vida: na educação, no cuidado com o meio ambiente, no trabalho pela justiça econômica, e na construção de relações humanas solidárias e respeitosas.
Além de ser um caminho de conversão pessoal e social, o perdão também é uma necessidade estrutural para que o mundo mude em sua essência. O Papa Francisco nos desafia a refletir sobre como as estruturas globais (financeiras, políticas e ecológicas) muitas vezes estão fundamentadas na injustiça e na exploração. Ele aponta que a dívida externa, a exploração dos recursos naturais e as desigualdades econômicas globais são fatores que perpetuam o sofrimento e a violência em várias partes do mundo. Para que haja paz verdadeira, as estruturas de opressão devem ser substituídas por estruturas de solidariedade e justiça.
Em seu apelo por uma solidariedade internacional, o Sumo Pontífice nos recorda que devemos pensar não apenas em termos de nossas próprias comunidades, mas também em como podemos contribuir para transformar as políticas globais que marginalizam os mais pobres e os mais vulneráveis. Além disso, a crise ambiental, frequentemente ignorada, deve ser encarada como uma questão de paz. A destruição do meio ambiente não é apenas um problema ecológico, mas uma violência contra as futuras gerações e contra aqueles que mais sofrem com as mudanças climáticas.
O Dia Mundial da Paz, além de ser um dia de oração e reflexão, é um chamado urgente para agirmos e transformarmos nossas vidas, nossas comunidades e as estruturas globais. Este é um dia em que todos os cristãos devem renovar seu compromisso de viver em paz, praticar o perdão e trabalhar ativamente por uma paz que seja, de fato, justa e duradoura. Não podemos esperar por uma paz que caia do céu. Ela precisa ser construída com esforço, com ações concretas e com uma transformação pessoal e social profunda.
Ao celebrarmos o Dia Mundial da Paz, sejamos inspirados pelo exemplo de Cristo, o Príncipe da Paz, e procuremos ser instrumentos de paz onde quer que estejamos, promovendo a reconciliação e a justiça em todos os níveis da sociedade. O perdão é o primeiro passo para a paz, e cada cristão é chamado a praticá-lo em sua vida pessoal e na transformação das estruturas do mundo. Que possamos, assim, contribuir para um mundo onde a paz, a justiça e a solidariedade prevaleçam, e onde o Reino de Deus se manifeste em toda a sua plenitude.
+Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)