O Magistério da Igreja

             Nos últimos dias, voltou à discussão a importância do Magistério da Igreja. A Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé, da CNBB, publicou um subsídio ao Povo de Deus com o título O Magistério dos Bispos. Visa ajudar a melhor entender a importância ímpar do verdadeiro Magistério no segmento das palavras de Cristo, Nosso Senhor: “Quem vos ouve a mim ouve; e quem vos rejeita a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10,16). É importante recordar a doutrina da Igreja a respeito deste tema. Principalmente em tempos nos quais – como nos nossos – há abundância de informações. É imprescindível sabermos distinguir o que é ensinamento oficial da Igreja do que é opinião pessoal, ainda que essa se refira a assuntos eclesiais, teológicos ou doutrinais.

             Temos, enquanto católicos, o Magistério da Igreja como norma da fé, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica, à luz da Dei Verbum e Lumen Gentium: “O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo, isto é, aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma. Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado. Os fiéis, lembrados da palavra de Cristo aos Apóstolos: ‘Quem vos escuta escuta-me a Mim’ (Lc 10,16), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que os seus pastores lhes dão, sob diferentes formas” (n. 85-87). Proposta essa doutrina basilar, tentemos detalhá-la do melhor modo possível, ainda que reconhecendo as limitações de um modesto artigo como este.

    “O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi confiado ao Magistério vivo da Igreja”. Sim, o Senhor Jesus, ao voltar para o Pai, não poderia, por lógica, deixar sua Palavra – que é uma só, mas a nós transmitida por dois canais: a Tradição ou a mensagem não escrita (cf. Jo 21,25; cf. ainda: Jo 20,30; 1Ts2,15; 2Tm 1,12-14; 2,2) e a Escritura – jogada ao vento de interpretações arbitrárias (Guardar o sábado ou o domingo? Batizar crianças ou adultos? Ter episcopado ou não? etc.), por isso fundou a Igreja e a entregou a Pedro e aos seus sucessores. A eles prometeu assistência até o fim dos tempos (cf. Mt 16,16-18; Lc 22,31-32; Jo 21,15-17; 14,26; 16,13-15; cf. Mt 18,18). Essa missão é exercida pelo Magistério da Igreja – de modo especial – ao tratar de Fé e Moral.

    A autoridade desse Magistério “é exercida em nome de Jesus Cristo”. Aqui, já podemos entender o seguinte: Cristo, o Enviado do Pai (cf. Mt 10,40; Lc 10,16), também chama e envia seus apóstolos (cf. Lc 6,12-19). Cada apóstolo não transmite a “sua” mensagem, em “seu” próprio nome, mas comunica o que viu e ouviu de Nosso Senhor (cf. Lc 24,47-48; At 1,8; 2,32; 3,15; 5,32; 1Cor 15,3).

    São Clemente de Roma († 97) escreve sobre a sucessão apostólica, bem no início da Igreja, o que o Catecismo da Igreja Católica assim nos apresenta: “Para que a missão que lhes fora confiada pudesse ser continuada depois da sua morte, os Apóstolos, como que por testamento, mandataram os seus cooperadores imediatos para levarem a cabo a sua tarefa e consolidarem a obra por eles começada, recomendando-lhes a guarda do rebanho em que o Espírito Santo os tinha instituído para apascentar a Igreja de Deus. Assim, instituíram homens nestas condições e tudo dispuseram para que, após a sua morte, outros homens provados tomassem conta do seu ministério” (n. 861; cf. I Carta aos Coríntios 42,44).

    Agora, pergunta-se: como é exercido esse Magistério? – De dois modos: o ordinário e o extraordinário. Sim, o ordinário é exercido pelos Bispos em união com o Papa, cabeça do Colégio apostólico, e em unanimidade moral entre si, ao ensinarem constantemente verdades relativas à fé e à moral; o extraordinário se realiza em dois modos: 1) pelos Bispos, reunidos em Concílio Ecumênico sob a presidência do Papa ou com a sua aprovação ou 2) pelo Papa sozinho, em definições ex cathedra que são, aliás, raras na história bimilenar da Igreja.

    Sobre este ensinamento que acabamos de relembrar, é importante citar o extenso e didático n. 25 da Lumen Gentium: “Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar”.

    “Embora os Bispos, individualmente, não gozem da prerrogativa da infalibilidade, anunciam, porém, infalivelmente a doutrina de Cristo sempre que, embora dispersos pelo mundo, mas unidos entre si e com o sucessor de Pedro, ensinam autenticamente matéria de fé ou costumes concordando em que uma doutrina deve ser tida por definida. O que se verifica ainda mais manifestamente quando, reunidos em Concílio Ecumênico, são doutores e juízes da fé e dos costumes para toda a Igreja, devendo-se aderir com fé às suas definições. Mas esta infalibilidade com que o divino Redentor quis dotar a Sua igreja, na definição de doutrinas de fé ou costumes, estende-se tanto quanto se estende o depósito da divina Revelação, o qual se deve religiosamente guardar e fielmente expor. Desta infalibilidade goza o Romano Pontífice em razão do seu ofício de cabeça do colégio episcopal, sempre que, como supremo pastor dos fiéis cristãos, que deve confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc 22,32), define alguma doutrina em matéria de fé ou costumes. As suas definições com razão se dizem irreformáveis por si mesmas e não pelo consenso da Igreja, pois foram pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, que lhe foi prometida na pessoa de S. Pedro. Não precisam, por isso, de qualquer alheia aprovação, nem são susceptíveis de apelação a outro juízo. Pois, nesse caso, o Romano Pontífice não fala como pessoa privada, mas expõe ou defende a doutrina da fé católica como mestre supremo da Igreja universal, no qual reside de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja. A infalibilidade prometida à Igreja reside também no colégio episcopal, quando este exerce o supremo magistério em união com o sucessor de Pedro. A estas definições nunca pode faltar o assentimento da Igreja, graças à ação do Espírito Santo, que conserva e faz progredir na unidade da fé todo o rebanho de Cristo.”

    Continua o Catecismo, no qual nos fundamentamos, a dizer: “Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado”. Aqui, fica claro que o Magistério da Igreja não é dono, mas servidor fiel da Palavra de Deus. Sob assistência infalível do Espírito Santo, ouve-a com piedade, guarda-a religiosamente e a expõe com fidelidade a fim de que não se deteriore o sagrado depósito da fé (1Tm 6,20; cf. nota f da Bíblia de Jerusalém desse versículo). Se é dever moral do Bispos guardar o depósito da fé, é direito de todos os fiéis – clérigos, religiosos(as) e leigos(as) – receber essa verdade intacta de seus pastores (cf. Código de Direito Canônico, cânon 213) a eles os mesmos fiéis devem obediência e reverência (cf. idem, cânon 212 § 1).

    Conclui o Catecismo: “Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo aos Apóstolos: ‘Quem vos escuta escuta-me a Mim’ (Lc 10,16), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que os seus pastores lhes dão, sob diferentes formas”. Sim, é preciso – sob pena de se criarem cismas ou “magistérios” paralelos – dar, sob o grau de assentimento que os pronunciamentos do Papa e dos Bispos o exijam, adesão aos seus ensinamentos e orientações; do contrário, podem recusar a voz do Pastor para seguir a um ladrão ou mercenário que, evidentemente, não é Pastor (cf. Jo 10,11-16). Afinal, quem diz: “Não siga o Magistério da Igreja”, de modo indireto ou até inconsciente, afirma: “Sigam a mim e às minhas doutrinas”. Eis o grave perigo!

    Resta-nos, considerar, ainda que muito brevemente, dois pontos complementares: 1) Em outros temas – que não sejam de fé e moral, ou não façam parte do Magistério autêntico – que assentimento se deve dar aos Bispos? – Deve-se dar a concordância que a fundamentação e a argumentação suscitarem por sua consistência e correção, como bem explicita Dom Boaventura Kloppenburg, OFM: “Não se afirma que tais ensinamentos sejam falsos: apenas não são objeto do Magistério autêntico e, por conseguinte, não se exige do fiel um assentimento da ordem da fé” (Colheita na vetustez: fragmentos de teologia dogmática. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 262-263); 2). Afirma-se, às vezes, que “Os Bispos do Brasil estão divididos”. Que dizer? – Problema semelhante já foi proposto a Dom Estêvão Bettencourt, OSB, e ele, com profunda sabedoria, deu uma resposta que permanece atual: “Não se trata de divergências no tocante à fé ou às linhas essenciais da Moral católica, mas, sim, de divergências no plano disciplinar ou, melhor, no plano sócio-político-econômico” (Pergunte e Responderemos n. 278, jan./fev., 1985, p. 20).

    Em outras palavras, a dissensão pode se dar em áreas fora da abrangência do Magistério autêntico nas quais a diversidade de opinião é normal e legítima, desde que não afronte a doutrina e a comunhão da Igreja. O fiel católico que discorde do Bispo nestes casos, pode – e até pode acontecer que deva – de acordo com a sua ciência, competência e prestígio, manifestar, de forma respeitosa, sua opinião ao seu Pastor, levando em conta o bem da Igreja (cf. Código de Direito Canônico, cânon 213 § 3).

    Eis o que, por ora, caberia dizer sobre o Magistério dos Bispos e a sua importância no ontem, no hoje e no amanhã, recordando que a obediência devida por todos os fiéis ao Magistério da Igreja se dirige “não a uma palavra humana, mas a Deus revelador” (Congregação para os Bispos. Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos, n. 119).

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