O extraordinário do cotidiano

    Celebramos neste final de maio e início de junho as festas que reabrem a nossa retomada do Tempo Comum durante o ano: Trindade, Corpus Christi e Coração de Jesus. Junto com a presença mariana (visitação de Nossa Senhora), nós olhamos para esse tempo como o tempo da Igreja que, conduzida pelo Espírito Santo, caminha na História.
    Além dos tempos que possuem características próprias, existem trinta e três ou trinta e quatro semanas durante o curso do ano chamado litúrgico, nas quais não se celebram aspectos particulares do mistério de Cristo; nelas, o mistério é venerado em sua globalidade, especialmente aos domingos. Este período chama-se Tempo Comum ou “per annum”.
    Esse Tempo Comum, em sua primeira parte, começa na segunda-feira que segue o domingo após o dia 6 de janeiro, e se estende até a terça-feira antes da Quaresma; retoma, em sua segunda parte, na segunda-feira depois de Pentecostes e termina no sábado antes do Advento.
    A liturgia é, antes te tudo, culto santificante; todavia, contém rica instrução ao povo de Deus, para a qual é importantíssima a da Sagrada Escritura. Por isso, o Concilio Ecumênico Vaticano II estabeleceu que houvesse nas celebrações litúrgicas uma mais abundante, mais variada e mais adequada leitura da Bíblia (SC 24, 33,35). Isso acontece em todos os dias férias e aos domingos, e, de maneira especial, a recuperação da leitura da maior parte dos livros da Escritura acontece durante o Tempo “per annum” ou Comum.
    A leitura semicontínua dos evangelhos sinóticos aos domingos (cada ano um deles, durante 3 anos) permite, através da homilia, uma profunda educação à fé, fundada na teologia das atividades históricas de Jesus, como é apresentada pela narrativa de cada evangelista. É preciso estar muito atento a esse aspecto para ajudar os fiéis a perceberem, de domingo em domingo, a continuidade da narrativa evangélica e fazer com que aflore a característica da mensagem de cada evangelista ao apresentar o mistério de Cristo. Esta é a catequese fundamental e essencial. Além disso, não se deverá esquecer a referência ao texto do Antigo Testamento, cuja escolha normalmente é sempre determinada pela perícope evangélica.
    A leitura dos evangelhos sinóticos, que caracteriza os anos A, B e C do Lecionário Dominical, deve levar em conta que tais textos são o testemunho da consciência de um itinerário de amadurecimento na Igreja primitiva. Esse itinerário, percorrido em momentos sucessivos, pode e deve tornar-se caminho de fé em direção a “uma consciência plena” da vontade de, “com toda sabedoria e inteligência espiritual” (Cl 1,10), também para as nossas assembleias dominicais.
    O Evangelho de Mateus (Ano A) – marca a etapa da introdução às diversas experiências eclesiais. O Evangelho de Marcos (Ano B) – constitui a etapa da experiência catecumenal da conversão. O Evangelho de Lucas, que lemos este ano, (Ano C) – introduz à intelecção do mistério do reino em sua relação com a história.
    O Evangelho de João é lido principalmente no Tempo Pascal e completa também durante alguns domingos o Evangelho de Marcos (naquilo que se refere ao Tempo Comum), devido a tamanho necessário para preencher todos os domingos durante o ano. João constitui a etapa de uma experiência contemplativa, na qual são sublinhados os valores fundamentais da fé e da caridade. Existe aqui uma verdadeira contemplação das transparências do mistério de Cristo histórico em direção ao Pai, e da Igreja animada pelo Espírito.
    O Tempo Comum, ou durante o ano, não são semanas sem conteúdo, como que vazias. Ao contrário, celebramos a normalidade evangélica das palavras de Jesus, de seus gestos e seus ensinamentos. Assumir este mistério de Cristo no tempo ordinário significa levar a sério o ser discípulo, escutar e seguir o mestre no cotidiano, mostrando que cada momento é momento de salvação. A espiritualidade litúrgica vai nos alimentar como em nossas refeições. Parece que é sempre a mesma coisa, mas é sempre uma vida nova que nos é dada. A riqueza do Tempo Comum está no fato de que cada dia é uma síntese de todo o mistério de Cristo. Noite e dia se enchem das memórias de Cristo e é para nós o momento de contato com Ele, que está vivo e presente no meio de nós. Participar significa unir-se ao Cristo, que se oferece ao Pai pelo mundo.
    No Tempo Comum celebramos os santos e, de modo particular, as festa de Jesus Cristo e da Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa. Qual é o sentido dessas celebrações? Fazermos memória dos santos que, seguindo Cristo Jesus e incorporados a Ele pelo batismo, viveram sob ação do Espírito Santo. Sua santidade é a de Cristo, que continua no tempo e se faz testemunho nas pessoas que viveram o Evangelho de modo eminente. Nós nos unimos a esses nossos irmãos e irmãs animando-nos a viver a mesma vida, contando com sua intercessão e realizando em nós o mesmo caminho de redenção que viveram. Aqueles homens e mulheres que chamamos de santos são como nós. Não se trata de uma espiritualidade devocional. Eles são testemunhos da presença de Cristo em cada um, unidos à sua Vida e Páscoa. Unidos ao mistério pascal de Cristo, participam de Sua glória. Maria viveu de modo eminente o caminho palmilhado por Jesus dia e noite.    
    Neste ano, temos um motivo especial para aprofundar nossa fé: o Ano Santo da Misericórdia. Assim, durante todo este Jubileu, vivendo o cotidiano, somos chamados a viver, na existência de cada dia, no labor de nossos trabalhos, de nossas atividades e do nosso lazer, a misericórdia que o Pai, desde sempre, estende sobre nós. Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca se cansa de escancarar a porta do Seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a Sua vida, que é vida plena, prenhe de Justiça e de compaixão. A Mãe Igreja, mestra da caridade, sente fortemente a urgência de anunciar a misericórdia de Deus no ordinário cotidiano da vida humana. A sua vida é autêntica e credível quando faz da misericórdia seu convicto anúncio, vivendo-o em gestos concretos e eloquentes no dia a dia de seu peregrinar rumo ao céu!

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