Melodia e a doutrina

    Notam-se em alguns cânticos alguns erros e estes provêm, muitas vezes, da adaptação à melodia. Assim, por exemplo, há um canto penitencial entoado nas Missas no qual se diz:: “Perdão, Senhor porque sou tão pecador/ Perdão, Senhor, sou pequeno e sem valor” (grifo nosso). Esta assertiva não se ajusta a uma antropologia teológica correta. Todo ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus. Possui uma alma espiritual, sendo que o cristão pelo batismo se tornou o templo vivo do Divino Espírito Santo. Foi regenerado pelo Sangue de Cristo, é obra de Deus, sua criatura. Tudo isto bem de acordo com a filosofia cristã numa visão teocêntrica. Tem, portanto, o homem em si um imenso valor que não é destruído pelo pecado. A dignidade do homem é nele algo intrínseco. A Igreja reconhece a fraqueza humana  a qual, no mau uso da liberdade, pode  levar ao  pecado, mas exalta sempre a  dignidade da pessoa humana, a qual, segundo Santo Tomás de Aquino, “é aquilo que há de mais perfeito no universo” (S. Theol. I,23,2). Davi no salmo 8 assim se expressou: dirigindo-se a Deus: “Que é o homem para dele vos lembrardes ou o mortal para dele cuidardes? Contudo o fizestes  pouco inferior aos seres celestes, fizeste-o rei das obras de vossas mãos submetendo-lhe toda as coisas” (Salmo 8,5-8). Assim sendo, o homem não é sem valor e ainda que venha a se aviltar pelos vícios e paixões não perde nunca sua dignidade essencial. Cumpre valorizar esta dimensão transcendente do homem e não desvalorizá-la. De fato, há  em cada um de nós uma centelha divina, sendo que é o sopro de Deus que nos torna dignos do mais alto valor. É preciso proclamar sempre este valor absoluto de Deus no homem. A culminância desta dignidade foi a Encarnação do Verbo Divino que “se fez carne e habitou entre nós” ( Jo 1,14). Diante desta verdade de fé só cabe o hino teológico da exaltação da humanidade, dado que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade assumiu a forma humana envolvendo-a com a imensidão de sua majestade. Deus impassível não desdenhou ser homem. Isto mostra também, que nenhum homem pode ser considerado sem valor, pois o Filho de Deus se encarnou plenificando a vida humana. Adite-se que o homem tem um valor imenso porque está destinado à glória eterna e, um dia, na visão beatífica  poderá contemplar  a Deus tal qual Ele é. Entretanto, mesmo que venha a pecar não  perde nunca o seu valor intrínseco. Por tudo isto é sempre de bom alvitre recordar as palavras de São Leão Magno: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias com um comportamento indigno da tua geração. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não esqueças que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz do reino de Deus. Pelo sacramento do Batismo foste transformado em templo do Espírito Santo. Não queiras expulsar com as tuas más ações tão digno hóspede nem voltar a submeter-te à escravidão do demônio. O preço do teu resgate é o Sangue de Cristo”. O homem é um ser contingente, limitado, criado, muitas vezes pecador, mas o seu valor não pode nunca ser negado.

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