Levantando questões

    A Encíclica Verde do papa Francisco é um olhar compassivo sobre os danos à Mãe Terra. Seu terceiro capítulo faz um diagnóstico claro e sucinto sobre esses problemas. Só mesmo uma autoridade religiosa, livre de qualquer interesse político, social ou financeiro o poderia fazer com tamanha isenção. Por isso a importância para o mundo das questões aqui levantadas.
    Diz o papa: “A humanidade entrou numa nova era, em que o poder da tecnologia nos põe diante de uma encruzilhada” (102) e “a tecnologia, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano” (103), sentenciando: “O ser humano não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal” (105). Mas ameniza: “Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza, mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar, secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas” (106). Nada como a voracidade dos dias atuais.
    Então aponta a ferida maior. “A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro”. Eis uma verdade inconteste. “Com os seus comportamentos, afirmam que é suficiente o objetivo da maximização dos ganhos” (109). Porque, “a cultura ecológica deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” (111). Afinal, preservar é a arte de bem usar, sem esbanjar. “As pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz, nem confiam cegamente num amanhã melhor a partir das condições atuais do mundo” (113). Então aconselha: “Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra, mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a realidade doutra forma” (114).
    A tecnologia em excesso é geradora não só de bens de consumo, mas igualmente de vícios amorais. Dela derivam a ociosidade, a sexualidade permissiva, o consumo excessivo de drogas, o desrespeito com o ambiente e com o semelhante, a autolatria, a descrença num Criador e todas as formas de prepotência que bem conhecemos. O homem se julga Deus com suas conquistas. E Dele se esquece. Daí o desrespeito à sua Obra.
    Há também o desrespeito ao ser humano, parte intrínseca da natureza. “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado” (117). Afinal, “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia” (118). Alerta ainda: “não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma” (128). Aponta ainda o campo das pesquisas biológicas com um alerta: “É preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a integridade do meio ambiente e, com razão, reclamam a imposição de determinados limites à pesquisa científica, mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana” (136). Preocupam-se com a casa, mas se esquecem do morador.
    Verdades nuas e cruas. “Quando a técnica ignora os grandes princípios éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática” (136). Técnica sem ética é capaz de destruir o mundo, a vida. Então tudo perde sentido.