A este respeito, é esclarecedora a reflexão de Jason Pack, autor do ensaio “The 2011 Libyan Uprisings and the Struggle for the Post Qadhafi Future” (As revoltas líbias de 2011 e o esforço para o futuro depois de Kadafi). É um título que pluraliza o que se costuma dizer no singular: não fala de “a revolta líbia”, mas de “as revoltas líbias”. Pack está de fato convencido de que em 42 anos de poder absoluto Kadafi teve de enfrentar várias revoltas motivadas por diferentes fatores econômicos, políticos, étnicos e sociais, e que a sua morte eliminou a única cola capaz de frear a desintegração. A partir de 20 de outubro de 2011, com o fim da Jamahiriya (um neologismo inventado por Kadafi para indicar o governo das massas), uma força divisória afirmou-se sobre a unidade e estabilidade econômica, política, étnica e social da Líbia.
Como Leonardo Palma escreveu recentemente no portal online da ISPI, não há dúvida que durante o seu longo regime Kadafi “aplicou uma tática implacável de dividir para conquistar, impedindo a formação de um centro de poder rival através dos bizantinismos de um sistema caótico de patronato, corrupção, terror e poder informal onde a única palavra que realmente contava era a sua”. O fato é que com a retórica anti-colonial e os ideais da sua revolução, a morte de Kadafi abriu um verdadeiro abismo político e institucional que o fórum das nações gostaria idealmente de remediar. Por enquanto, os observadores têm a impressão de que nos últimos anos a crise líbia foi internacionalizada da pior forma possível e que os atores no terreno continuam a seguir as suas próprias políticas, em grande parte ligadas à exploração do imenso reservatório de hidrocarbonetos do país. Uma direção política que encontrou o seu incipit na reivindicação ocidental de exportar a democracia para a Líbia com a destituição do ràis.
Por outro lado, Kadafi, pouco antes dos subúrbios de Benghazi se revoltassem contra Trípoli, apesar do fato do seu regime ter cometido atos terroristas devastadores (como no caso de Lockerbie), era o amigo extravagante de muitos políticos e figuras de alto nível em todo o mundo. No entanto, a sua história, exatamente 10 anos atrás, acabou mal! Como Andrea Semplici, um profundo conhecedor dos assuntos líbios, escreve: “É provável que só poderia acabar assim. Em Sirte. Lá onde Kadafi, de acordo com a sua mitologia, nasceu”, salientando que talvez ninguém, entre aqueles que importam, teria tido a capacidade de assistir a um julgamento contra Kadafi. “Porque teria sido um julgamento”, continuou Semplici, “contra a loucura cínica da política internacional”. Os protagonistas da história dos últimos quarenta anos teriam que sentar no banco das testemunhas. Afinal de contas, Kadafi gostava de ficções. Em 1989, estabeleceu o horário de verão para o seu país, demonstrando uma imaginação para todos os tipos de minúcias extravagantes, mesmo quando se tratava de religião. Os festivais islâmicos tinham um calendário diferente na Líbia. Prova da hostilidade que dividiu o coronel dos governantes sauditas, guardiães da Kaaba. Claro que ele era o ‘qaid’, o líder. Aquele que depois pagou amargamente pelos atos nefastos cometidos pelo seu grotesco regime.