Para os filósofos gregos Deus era inteiramente alheio aos homens. Na visão deles era impossível uma aliança entre a divindade e os seres racionais. Nenhuma reciprocidade seria plausível. Célebre a expressão de Aristóteles: “Deus ignora o mundo e quanto nele se passa”. Para o Estagirita Ele não é a causa eficiente do universo, mas simplesmente o Bem supremo para o qual tende o mundo. Segundo a doutrina de Sócrates e Platão os homens deveriam se acomodar a Deus, prestar-lhe um culto e aspirar unicamente um pouco da perfeição divina. Nem os materialistas, discípulos de Epicuro ou de Zenão, puderam também, é lógico, vislumbrar um contato com um Ser Supremo. Assim sendo, seria um absurdo falar de uma aliança de um Criador com suas criaturas. A Bíblia, de plano, rompe com estes errps. Patenteia uma Antiga e Nova Aliança entre Deus e os homens. Entretanto, se no Antigo Testamento refulge o interesse, o cuidado, o desvelo, o amor de Deus para com a humanidade, foi apenas com Cristo que brilhou a verdadeira face de Deus. A oração que Jesus ensinou aos Apóstolos, dando detalhes de como se devia orar ao Pai que está nos céus, é bem uma síntese do modo como o homem e Deus se relacionam. Ante os sábios helênicos a doutrina do Rabi da Galileia não passaria de um invento fantástico do espírito humano. Total aberração aos olhos da racionalidade filosófica grega. Falar além disto que o Verbo Eterno se encarnou, se fez semelhante a nós e por nós se sacrificou numa Cruz se alardeava como a mais irracional das afirmativas. Todavia São Paulo mostrou também que o mistério de amor revelado por Cristo foi igualmente incompreensível para os sábios de Israel. Os escribas e doutores da Lei não tiveram uma real inteligência da Escritura. Por isto, não aceitaram a mensagem do sumo amor que Jesus veio trazer a este mundo. São João demonstrou qual o núcleo desta mensagem: “Com efeito, Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Então se compreende a sentença de São Paulo: “Na verdade, os judeus pedem milagres e os gregos procuram a sabedora, nós, ao invés, pregamos a Cristo crucificado que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios, mas, para aqueles que são chamados por Deus, quer sejam judeus, quer sejam gregos, Cristo é potência de Deus e sabedoria de Deus” (Cor 22-25). Através de Cristo crucificado o Criador revelou sua face que nem os sábios, doutores da Lei, filósofos puderam apreender. Eis por que cabe aos cristãos compreender a linguagem da Cruz de Cristo que patenteou ser os valores divinos distintos dos valores humanos. Ao Messias restaurador do reino terreno de Israel e a um Salvador que ensinou as Bem-aventuranças e não a ataraxia, a apatia, a fatalidade, uma felicidade meramente natural, Deus opôs a fraqueza, a humildade, o sacrifício, a comiseração. Ao orgulho contrapôs uma atitude de aniquilamento como caminho para a remissão das iniquidades e purificação diante da perfeição do Deus Onipotente. Ele veio até nós sem fausto, sem grandeza e majestade, vestido como um pobre na sua humildade. Por tudo isto cumpre subir com sinceridade a agreste encosta do Calvário para entender o mistério do amor de Deus. Aproximar do Homem da Dor, Mártir sublime que nos acena sempre do lenho da amargura, chamando-nos para escutar comunicações que verdadeiramente beatificam Abrir nossos corações à elocução de Jesus! Ele nos ensina aí a sabedoria de Deus. É preciso ir a esta fonte de salvação para nos saciar com dons divinos. A árvore bendita da Cruz donde pendeu o fruto celeste indica uma passagem para um mundo no qual tudo é a verdadeira ventura. Muitos não quererem ou não sabem ler este livro aberto com golpes tão cruéis que o crucifixo. O douto Agostinho de Hipona escreveria: “A cruz é um navio; ninguém pode atravessar o mar deste mundo sem ser levado por Jesus Cristo crucificado”. É que, no dizer de João Crisóstomo, “ela é a chave do paraíso. É o triunfo contra os espíritos maus, a vencedora de Satã, a mestra dos jovens, o sustentáculo dos indigentes, a esperança dos desesperados”. São Leão Magno assim se expressou: “A Cruz é a fonte de todas as bênçãos e de todas as graças. É pela Cruz que os fiéis logram passar da fraqueza para o vigor, da ignomínia para a honra, da morte para a vida”. São João Damasceno dizia que a “Cruz de Cristo é escudo, armadura e troféu contra o diabo”. Atualíssimas as palavras de Pio XI: “Aos pés da cruz, fronteira de dois mundos, devem aí depor seus ódios os homens e as nações: nessa hora surgirá a paz no universo”. Este é o sublime paradoxo: na Cruz de Jesus está a verdadeira vida! Junto da Cruz se conhece a verdadeira face de Deus que é amor e deseja a salvação de todos por meio do sangue redentor daquele que veio para que “todos tivessem a vida e possuíssem em abundância” (Jo 10,10).
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.