A ética, na sua definição mais elementar, significa ciência dos costumes ou modo habitual de proceder. É a reflexão sobre as ações humanas como tais. Ela visa sempre orientar o ser humano a agir segundo o bem. O bem constitui, por assim dizer, o seu foco objetivo. O bem que é capaz de dar sentido e valor à vida, na medida em que ele se torna o objeto do agir e da realização do sujeito. Parece uma ousadia em uma cultura marcada por uma forte autonomia do sujeito, repropor o tema do Ethos às consciências que buscam respostas e sobrevivência em um momento trágico e sem precedente da nossa história. Ser o sujeito e não o objeto do próprio destino sempre pareceu um plano ou sonho a ser atingido, como ideal de uma vida moral emancipada e emancipante. A sede de uma total subjetividade seria capaz de nos orientar na escolha do bem em uma sociedade líquida, ferida, insatisfeita e inquieta consigo mesma? É a partir desta questão que deve emergir um Ethos futuro, pautado na redescoberta de nossa identidade aberta ao outro. No atual período de
“clausura” temos sentido a falta do outro que, mesmo estando fisicamente distante de nós, está sempre no horizonte do nosso pensamento, confirmando que somos ser para o outro. De fato, o homem é um ser de relação. O ser humano foi criado para o encontro com o outro e com o totalmente Outro. O encontro só é possível sob a condição de um estar de frente. Esse é o nosso Ethos; como bem enfatiza o Papa Francisco ao falar da cultura do encontro. Trata-se de uma ética do encontro livre e consciente, construída na relação interpessoal. É a ética da humanidade plena do ser humano que necessita, mais do que nunca, edificar o seu amanhã. Portanto, ela supõe a realização de uma construção moral capaz de revelar plenamente o ser humano e de ajudá-lo a realizar-se, como bem refletiu o célebre teólogo Romano Guardini. Quando emerge no mundo de nossa consciência a exigência de uma melhor convivência humana, então surge uma nova ordem moral, um novo Ethos. Neste aflora não o domínio conflitivo sobre o outro, pautado no frenesi do ser mais ou ter mais; mas na força do encontro, da comunhão com o outro no despojamento do eu para o tu, tornando possível a vida humana como um viver juntos na busca de um mesmo ideal que transcende raças, línguas, nações e condição social. O mistério dramático e invisível da praga, da dor e da morte, de repente, uniu toda a humanidade em um só Ethos: o de pensar a vida como dom e compromisso, como o existir um para o outro, onde a regra suprema é o amor e a comunhão fraterna universal. Não avançar nesse itinerário, significa enveredar na planície da solidão, onde perderemos o ponto de referência existencial e o valor infinito da pessoa. Tal é o dinamismo racional da vida. “A tempestade nos mostra que não somos autossuficientes, que sozinhos afundamos. Por isso, devemos convidar Jesus a embarcar em nossas vidas. Com Ele a bordo, não naufragamos, porque esta é a força de Deus: transformar em bem tudo o que nos acontece, inclusive as coisas negativas. Com Deus, a vida jamais morre” (Papa Francisco, Hora Santa. Vaticano,
27/03/2020). Por fim, se não sairmos melhores depois deste mal que assola todo o mundo, sem nenhuma dose de pessimismo, confirmaremos a globalização da indiferença, pelo fato de não colocarmos mais o outro na dimensão relacional do nosso ser; mas também, por confirmarmos que desaprendemos a aprender as lições da nossa história. Prefiro acreditar, com otimismo e esperança, numa humanidade renovada e apontada para um novo destino pós-pandêmico. A vida voltará a florescer com toda força. O amor fará a vida vencer. E, assim, esperamos o surgimento de um novo Ethos, isto é, de um ser mais humanizado; onde todos se sentirão membros de uma só família.
D. Pedro Cunha Cruz
Bispo diocesano da Campanha-MG