Espirutualidade da miragem

    O Papa Francisco tornou-se mestre em frases de efeito. Muito mais que isso, suas mensagens tocam o cerne de qualquer problema e levam seus ouvintes ou leitores a interrogar-se com mais profundidade sobre o assunto em pauta. Desta feita, no encerramento do Sínodo sobre a Família, realizado de 4 a 25 de outubro últimos, falou-nos sobre uma espiritualidade de miragem e fé de tabela. Tendo por base o Evangelho da cura do cego Bartimeu, com maestria e profunda visão sobre a realidade da família no mundo de hoje, destacou as expressões “coragem” e “levanta-te” como palavras de misericórdia da Igreja para reconduzir os “cegos” à beira do caminho até Jesus. Em especial as famílias que se afastam de seu redil.
    Muitas dessas buscam hoje uma espiritualidade. Mas esbarram nas miragens do mundo. Desconhecem a visão clara de uma constituição familiar plena e perfeita como pontifica a Igreja de Cristo. É uma tentação que o modismo e desvirtuamento social impõem aos cristãos desavisados, estacionados à beira da estrada, inseguros diante dos desafios. “Esta é a tentação de uma ‘espiritualidade da miragem’: podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver; somos capazes de construir visões do mundo, mas não aceitamos aquilo que o Senhor nos coloca diante dos olhos. Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos” – disse o Papa.
    A segunda tentação é a fé de tabela. Diz ele: “Podemos caminhar com o povo de Deus, mas temos já a nossa tabela de marcha, onde tudo está previsto: sabemos aonde ir e quanto tempo gastar; todos devem respeitar os nossos ritmos e qualquer inconveniente perturba-nos”. Assim Francisco encerrou mais esse importante encontro, cercado por especulações e muitos boatos de eventuais concessões da Igreja sobre a estrutura familiar aceita e abençoada pela fé cristã. Não aquela que o mundo deseja. Agradeceu aos participantes, exortando a todos a continuarem no “caminho que o Senhor deseja” sem se deixarem enganar pelo “pessimismo e pelo pecado”.
    As conclusões sinodais produziram importantes pontos de reflexão, cujo teor será conhecido de todos tão logo o santo padre as sancione ou mesmo produza a partir destas uma nova encíclica pastoral. O que se sabe, até o momento, é que os 270 padres sinodais votaram com ampla maioria uma proposta para a “integração” na Igreja dos divorciados que voltarem a se casar no civil, exigindo antes uma análise caso a caso. Admite-se até mesmo a aceitação dessas pessoas como padrinhos de batismo ou casamento. Isso tudo, bem dizendo, após análise, ecoando um desejo do papa de reforçar a identidade da nossa fé, que exige mais misericórdia, menos sacrifício. Ou seja, devemos construir uma Igreja que pare de julgar e de condenar. Isso é faculdade divina. Por outro lado, mantém sua posição contra o chamado “casamento gay”, contrário a qualquer conceito primário da nossa fé. Um parágrafo faz menção aos homossexuais como merecedores de respeito e compaixão, pois Cristo condena qualquer discriminação. Coloca como dever da Igreja “acompanhar as famílias com um membro homossexual”.
    Em seu discurso de encerramento, Francisco ainda pontuou: “Esta é a Igreja, a vinha do Senhor, a Mãe fértil e atenciosa, que não tem medo de arregaçar as mangas para derramar o óleo e o vinho nas feridas dos homens, que não olha a humanidade de um castelo de vidro para julgar ou classificar as pessoas. É a Igreja que não tem medo de comer e beber com as prostitutas”.

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