Entrevista exclusiva a Dom Odilo sobre o Sínodo

Desde o início do Sínodo sobre a família, o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Scherer apresenta, por meio da Rádio Vaticano, os trabalhos que são realizados no âmbito da 14ª Assembleia geral ordinária do Sínodo, sobre o tema: “a vocação e a missão da família na Igreja e na sociedade contemporânea”. A uma semana da conclusão do Sínodo, a emissora do Papa dirigiu a Dom Odilo algumas perguntas sobre algumas questões abordadas durante as Congregações gerais e os Círculos Menores.

RV – Por que realizar um Sínodo para tratar de um tema tão vasto e de difícil convergência como é a família? Não seria mais fácil uma posição do Papa a respeito em uma Carta Apostólica ou uma Encíclica?

Dom Odilo Scherer – A palavra do Papa sobre esse tema virá, a seu tempo. Mas o próprio Papa, antes de se manifestar, quis ouvir novamente a Igreja, convocando o Sínodo dos Bispos a se reunir em duas assembleias gerais, em 2014 e 2015. O Sínodo tem a finalidade de envolver a Igreja inteira na busca das respostas aos questionamentos feitos sobre o casamento e a família na Igreja e na sociedade contemporânea.

RV – A imprensa destaca muito as diferenças existentes dentro do Sínodo no que diz respeito à comunhão aos recasados. Padres sinodais que falam da possibilidade de dar a comunhão e outros que não pensam nisso. Existe realmente esta diferença, e como se poderá contornar as posições?

DO – Existem certamente diferenças na maneira de ver a questão e isso não deve admirar; afinal, os participantes são cerca de 300 e vêm de diferentes ambientes eclesiais, culturais, sociais e religiosos. A diferença no modo de pensar não é necessariamente um problema, mas pode ser uma riqueza; ela ajuda a perceber melhor os vários aspectos da questão. E o Sínodo não deve necessariamente “contornar” as diferentes visões, mas fazer o discernimento sobre a verdade e a vontade de Deus, que se busca através da reflexão de todos os participantes. De todo modo, o Sínodo é consultivo e não decisório.

RV – A famosa carta dos 13 Cardeais que foi entregue ao Papa. O que tem de verdade nisso, e como ecoou o conteúdo da carta dentro do Sínodo?

DO – Não cheguei a ver a mencionada carta; certamente, se alguns cardeais escreveram ao Papa, eles exerceram um seu direito e não se deve ver nisso algo de estranho. Todos podem escrever ao Papa, se desejarem. De fato, porém, a citada carta não teve especial repercussão no contexto do Sínodo; ali, como previsto, foi facultada a palavra a todos os participantes, que puderam se manifestar livremente.

RV – Certos meios de comunicação descrevem que os debates sinodais são marcados por conflitos e venenos. Como responder a isso?

DO – Sinceramente, não vi conflitos nem venenos nas reflexões. O clima geral foi e continua sendo de fraternidade, respeito e serenidade. As posições diferentes não devem ser interpretadas como conflitos, mas como contribuições diversas na busca do “caminho comum”, que é próprio do Sínodo. Há muito interesse e desejo de contribuir para a reflexão.

RV – O tema dos casais homossexuais já foi tocado no Sínodo? Que reflexão se faz sobre esse tema. Existe uma abertura da Igreja neste sentido? O que devem esperar esses casais do Sínodo?

DO – A reflexão sobre as pessoas do mesmo sexo, que convivem em uniões como se fossem casamentos, apareceu especialmente na 3ª parte do Instrumento de Trabalho e das reflexões do Sínodo. A posição da Igreja sobre essas uniões é clara: não há a possibilidade de equipará-las ao casamento de pessoas de sexos diferentes. O que se busca é a forma mais adequada de acompanhar pastoralmente essas pessoas, para que também elas acolham o Evangelho e alcancem a misericórdia e a salvação de Deus.

RV – Certamente devido à presença de 270 padres sinodais dos 5 continentes há acentos diferentes sobre alguns temas, como também é obvio que a Doutrina não será tocada. Mas o que pode mudar concretamente sobre o tema da família?

DO – Nas reflexões do Sínodo, aparecem diversas perspectivas sobre a família na Igreja e na sociedade contemporânea: penso numa renovada valorização do casamento e da família; num renovado interesse da pastoral da Igreja em relação à família, especialmente em relação aos jovens e nubentes; numa pastoral voltada especialmente para as situações de dor e sofrimento vividas por numerosas famílias; penso numa espécie de “aliança” entre Igreja e família, onde esta participe muito mais na evangelização. Penso também que a família deverá ser mais valorizada como um sujeito social, econômico e político na sociedade. E penso que haverá uma valorização especial dos elementos bons já existentes nas famílias incompletas e irregulares.

RV – Comenta-se a presumível contraposição entre os padres sinodais sobre Verdade e Misericórdia. Como podemos entender isso no âmbito do debate sobre a família.

DO – Não penso que essa contraposição existirá; misericórdia e verdade não podem ser contrapostas. Mas é verdade que há quem fique mais atento à verdade e quem fique mais atento à misericórdia. Essa tensão existirá sempre e será necessário trabalha-la com sabedoria evangélica. A verdade do Evangelho sobre o casamento e a família nunca poderá ser omitida ou desprezada; o Evangelho é um chamado à conversão para todos. Mas nas situações concretas, o Evangelho da misericórdia de Deus precisa ser apresentado às pessoas, inclusive porque todos dependem dela, mais do que das próprias capacidades e virtudes.

RV – Este Sínodo está procurando entender como a primazia da misericórdia possa ser aplicada em todas as formas de vida pastoral em relação à família, principalmente em relação às famílias feridas. De que Misericórdia falamos?

DO – Falamos sempre da misericórdia de Deus, que também deve orientar o nosso agir. Pensemos nas muitas famílias que sofrem por doenças, luto, pobreza, violência, desprezo, preconceitos, ou por algum problema particular ligado à droga, aos vícios, às deficiências humanas… Todas precisam, além da justiça e da solidariedade, também da atenção misericordiosa. E também há nas famílias as situações na vida que precisam ser assumidas como tais, sem haver uma solução satisfatória: nessas situações, mais do que tudo, é preciso confiar na misericórdia de Deus e contar com o coração misericordioso dos outros e da própria Igreja.

RV – O que se espera de concreto com o Documento Final? Ou devemos esperar uma Exortação Pós-Sinodal do Santo Padre?

DO – O trabalho é feito em vista de um “documento sinodal”, a ser votado como de costume. Mas será um documento condizente com a própria natureza do Sínodo, que não é um organismo decisório, mas consultivo. Em outras palavras, o texto final apresentará o resultado do trabalho feito, mas não será a palavra final sobre a questão. Como é normal, espera-se a palavra do Papa sobre o tema, após o Sínodo.

Fonte: Rádio Vaticano

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