Entre gralhas e arapongas

    “Na minha terra tem pinheiros, onde cantam as arapongas. As gralhas que aqui gorjeiam, não gorjeiam como antes”. Será? Perdoe-me a alusão poética, mas ouço ainda o cantar dessas aves. Estou em Araucária, bem próximo ao grito republicano dos pinhais paranaenses. Termino mais uma etapa de uma missão que nos confiou o bispo D. Francisco Carlos, de São José dos Pinhais. Pude ouvir o clamor de seu povo e agora o ouço retumbante no trinado livre e sonoro de muitas gralhas e arapongas que por aqui habitam. Um som de esperança, uma voz uníssona que ecoa por entre esses pinhais, parte hoje das muitas paisagens e florestas brasileiras. Clamam pelo julgamento das estruturas corroídas que nos governam.
    Onde quero chegar com essa metáfora? Do ponto de vista e da ação missionária que agora encerro encontro um denominador comum. Curitiba tornou-se símbolo da justiça, tardia ou não, que ações delituosas fizeram contra nossas riquezas. Tributos e recursos do nosso povo tornaram-se fonte de ganância, gatunice e engodo para alguns oportunistas de plantão. Roubaram-nos o sagrado amor pátrio, com voracidade e destemor. Assaltaram os cofres do povo e, consequentemente, suas esperanças.
    Coincidência ou não, minha missão por aqui é dar consciência sobre o valor dessas riquezas comuns ao povo. Em especial ao povo de Deus. Falo-lhes também de um bem comunitário, a gestão e administração das riquezas postas nos altares de nossas igrejas. Falo-lhes do dízimo consciente. Essa prática religiosa que a fé popular coloca em comum, para a construção do verdadeiro Reino entre nós. Há que ser bem gerido, administrado. Há que se tornar uma referência de vida comunitária. Expressão da corresponsabilidade do povo cristão para com a obra da redenção. Transparência e bom uso dos recursos é o que Deus nos pede. Nada mais que isso.
    Aqui recursos comuns se fundem na vida civil ou religiosa. Impostos confiamos a César (o representante dos poderes humanos) e dízimos devolvemos a Deus (fonte única de nossas riquezas). Imposto é lei. Dízimo é gesto de amor. Mas, ao mesmo tempo, impostos e dízimos são expressões de responsabilidade para com uma causa, que visa o bem estar de todos. No entanto, gralhas e arapongas me despertaram para uma reflexão além do cenário dessas glebas, pois livres são seus sobrevoos, mas significativas suas ações e alertas.
    Bem o sabemos. Uma gralha – pássaro oportunista, vivaz e astuto, sempre representou a sagacidade e a malandragem dos audaciosos. Na natureza é tida como semeadora, pois que esconde as sementes da pinha colhida, para saboreá-la egoisticamente no futuro. Acaba por “esquecer” os muitos lugares onde a semeou, proporcionando assim o reflorestamento de seu meio. E não é a semente o símbolo da prosperidade? Eis, pois, uma malandragem que se torna um bem. Pois este sempre vence o mal.
    Já a araponga é símbolo do vigilante que bem protege nossas florestas. Com seu trinado de muitos decibéis, alerta a todos quando um perigo se faz eminente. Quem nunca ouviu seu canto? Pois muitos deles ainda proliferam nas pequenas matas do que restou da nossa gloriosa flora brasileira. Ainda bem que estas ainda sobrevivem! Talvez pelo alerta e vigilância das persistentes arapongas. Seus cantos e trinados, delatores que nos premiam, preservam muitas florestas da selva de moralidade que nossa ambição desmedida um dia destruiu. Que venham novos tempos! Que eu possa, logo mais, vencer os muitos quilômetros de minha viagem de regresso à vida, à realidade, sem mais decepções. Que meu povo dê com alegria a César o que dele seja e a Deus o que sempre foi Dele.

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here