Enfrentamento a Cultura da Morte

    O nosso Plano de Pastoral de Conjunto afirma o seguinte: “O serviço testemunhal à vida, de modo especial à vida fragilizada e ameaçada, é a mais forte atitude de diálogo que o discípulo missionário pode e deve estabelecer com uma realidade que sente o peso da cultura da morte. Na solidariedade de uma igreja samaritana, o discípulo missionário vive o anúncio de um mundo diferente que, acima de tudo, por amar a vida, convoca à comunhão efetiva entre todos os seres vivos”.
    Durante a Quaresma, a Campanha da Fraternidade sempre nos coloca diante da realidade de forma profética, para que os nossos olhos se abram e possamos perceber os tentáculos da cultura da morte que pesam sobre a nossa realidade. Neste ano, o assunto é o tráfico de pessoas.  Precisamos ter clareza sobre este problema, seu alcance e seus efeitos para que, como igreja samaritana, possamos fazer com que o Evangelho se torne concreto nos nossos relacionamentos, e a obra evangelizadora e pastoral da Igreja e as nossas obras mostrem a Igreja como Sacramento de Salvação e caminho para o Reino definitivo.
    O tráfico de pessoas acontece de muitas formas e diferentes tipos de pessoas são explorados. Existe o tráfico para a exploração sexual, o trabalho escravo, a adoção ilegal e outros. Não existe uma categoria ou um grupo de pessoas que não seja, de alguma forma, ameaçado por ele.
    A grande causa do tráfico humano encontra-se na ganância, tão condenada por Jesus, principalmente por que coloca o econômico-financeiro acima do humano e explora o humano a partir das suas carências. Deste modo, à ganância se somam as diferentes formas de carência ou de sonhos pessoais que geram a necessidade de crescimento econômico. Carências como desemprego, subemprego, fome, saúde, educação, lazer etc., e sonhos acalentados, como ser modelo, artista ou jogador de futebol, muito sugestionados pela mídia. Assim, encontramos as principais causas do tráfico humano que precisam ser enfrentadas para que o tráfico de pessoas seja estancado nas suas raízes.
    Esse estancamento exige, em primeiro lugar, políticas públicas adequadas para a superação das causas que foram apresentadas acima, pois não podemos desconsiderar o fato de que o tráfico de pessoas continua acontecendo e fazendo vítimas. Por isso, as políticas públicas também devem ser voltadas para a reinserção na vida familiar e social das pessoas que foram atingidas pelo tráfico humano e que tiveram a felicidade de serem resgatadas com vida. Precisamos de um trabalho preventivo que evite que o tráfico de pessoas promova o desrespeito à dignidade humana, aos direitos fundamentais da pessoa e à supressão da liberdade de muitos. Por outro lado, precisamos resgatar as vítimas do tráfico e lhes garantir o respeito à sua dignidade, aos seus direitos e à sua liberdade.
    A proposta cristã para a superação da cultura da morte passa necessariamente pela conversão, que consiste basicamente na busca da nossa configuração a Jesus Cristo. São Paulo nos chama a esta configuração quando afirma: “Tende os mesmos sentimentos de Cristo” (Fl 2, 5). O Pe. José Fernandes de Oliveira, conhecido como Pe. Zezinho, que neste ano comemora os 50 anos de sua missão evangelizadora na Igreja, nos deu uma preciosa colaboração para a compreensão desta configuração quando fez a música que diz: “e perguntou no meio de um sorriso o que é preciso para ser feliz? Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu, sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria, e ao chegar ao fim do dia eu sei que dormiria muito mais feliz. Dormiria feliz sim, o sono dos bem-aventurados”. Esta é a vida dos verdadeiros convertidos e esta vida é transformadora do mundo, destruidora da cultura da morte, promotora da vida e da dignidade de todos.
    Como fiz questão de frisar em minha carta Pastoral, depois do Consistório, reafirmo que: “Enquanto escrevo esta carta, não cesso de ouvir as notícias de tantas situações de sofrimento que desafiam nosso amor por Jesus Cristo. Entristeço-me, por exemplo, com a situação dos encarcerados, que, em lugar de recuperação, recebem, na maioria das vezes, tratamento indigno até para as pedras que rolam soltas em nossas ruas” (Cf. Amar, unir, servir – Carta Pastoral do Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, n.34, pág. 17, 25 de fevereiro de 2014).
    Estamos nos encaminhando para a Semana Santa, estamos nos aproximando da celebração do mistério da Páscoa, vamos celebrar o mistério da morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. A vitória de Cristo na cruz é, antes de tudo, a vitória da vida sobre a morte. A Páscoa deve ser para nós a grande motivação para que a cultura da morte seja vencida e todas as pessoas possam ter vida em plenitude, possam ter a plenitude da vida física, afetiva, intelectual, social, política, econômica, cultural, religiosa, mística etc.
    Peçamos a Deus as graças necessárias para que vivamos bem esta Quaresma, e para que a Campanha da Fraternidade seja um grande instrumento para esta vivência, de modo que possamos encontrar na celebração dos mistérios pascais as graças necessárias para vencermos a cultura da morte e promovermos a vida em plenitude.