Em Assis chamava-se Ranchinho. Em Palmital, onde me criei, era seu Manequinho. No Rio, ficou famoso como Jaiminho. Tinham em comum não apenas o diminutivo, mas o hábito de comparecerem e acompanharem a maioria dos féretros em suas respectivas cidades. Sei que estes existem em toda e qualquer cidade. Pessoas geralmente simples e respeitosas, circunspectas em suas atitudes, aproximam-se das famílias enlutadas e do próprio falecido como se cumprissem um santo dever de reverência e solidariedade. E cumprem, de fato. Mas um dia serão eles os velados. Para Jaime Sabino, o Jaiminho, a semana foi curta. “Desta vez, Sabino morreu. Nas anteriores, ele aparecia como “figurante” de velórios e sepultamentos. Mesmo sem conhecer o falecido, caminhava até os familiares com ar consternado, manifestava seu pesar e permanecia postado próximo ao morto”, comentou um articulista da FSP. Funcionário público e aposentado, um enfarto o levou aos 87 anos.
Dessa ninguém se livra. Mas o assunto, por mais lógico e natural que seja, terá sempre a aversão de muitos. Aqui, por exemplo, a grande maioria já abandonou ou vai abandonar esta leitura. Porque falar ou refletir sobre a morte nunca será um assunto agradável. Nem que esta aconteça numa banheira de espuma, numa cama de motel, num campo de rosas ou no mais perfumado dos ambientes… Dona Morte nunca será bem-vinda, nem que o agente funerário se chame Benvindo… (Perdoe-me, amigo Galhardo, não resisti). Mas, enfim, quer queira, quer não, um dia estaremos cara a cara com ela.
O dia da nossa morte, para quem crê na eternidade, não é um ponto de chegada, uma barreira intransponível, pois que esta inexiste no campo do espírito. Uma palavra aqui se encaixa: transposição. Deixamos uma realidade material para vislumbrar a morada definitiva. Neimar de Barros, escritor e missionário que já habita as searas celestes, escreveu Reta Final, um precioso livro de reflexões sobre a morte. Assim o introduziu: “Um instante virá em que você terá consciência que algo estará a meio passo. Poderá ser o fim de tudo ou o início de um amor pleno. Dependerá de você!… Não dependerá de sua mãe, esposa ou médico. Esse instante, o homem materialista e cético o chama de Morte Final, enquanto que Deus o chama de Encontro”. Essa é a mais consoladora das certezas humanas: nossa morte é o Encontro Definitivo com a Verdade divina!
Não quero tristeza neste dia; nem o choro dos desvairados. Talvez uma lágrima de saudade, como tantas que já derramei. Por que não? Se merecer uma transposição serena, com a certeza do dever cumprido, será sim um momento de festa, de alegria. Quem sabe a lembrança dos bons momentos, a marca da coerência com a fé que me foi dada, o zelo pelas riquezas do alto, a fidelidade conjugal e familiar, o trabalho sem exploração, sem ganância, a simplicidade sem ostentação… Isso tudo conte pontos para merecer a plenitude de uma consciência tranquila, um espírito que mereça descansar realmente em paz! Dispenso “figurantes” em meu velório. Também as carpideiras que nada mais fazem que forjar lágrimas de desespero, nunca de felicidade. Quem vai ao encontro de Deus merece aplausos. Espero ser um desses.
Enquanto isso, nada mais justo que continuar buscando a santidade, vocação mais que natural na vida dos que acreditam. A vida dos santos nos oferece pistas. Santa Terezinha do Menino Jesus adorava refletir sobre a própria morte. Diria até que ansiava por ela, tal sua abertura d’alma. Sua palavra de vida era uma promessa divina: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá! E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11,25-26). Ancorada nessa certeza, no leito de morte escreveu um testamento que sintetizou a arraigada fé que movia sua existência: “Gostaria de dizer-vos mil coisas que compreendo estando à porta da eternidade, mas eu não morro, entro na vida”…