E o Verbo se fez Carne

A solenidade da Anunciação do Senhor é a celebração do grande mistério cristão da Encarnação do Verbo de Deus. A data de 25 de março está em função do Nascimento de Jesus, que é celebrado exatamente nove meses depois. Mas, como este ano o dia 25 caiu na Sexta-feira Santa, a Igreja transferiu a solenidade para depois das festas pascais, ou seja, dia 4 de abril, segunda-feira após o Domingo da Misericórdia.  A catequese sempre fez coincidir a Anunciação e a Encarnação. Estes mistérios começaram a ser celebrados liturgicamente, provavelmente depois da edificação da basílica constantiniana sobre a casa de Maria, em Nazaré, no século IV. A celebração no Oriente e no Ocidente data do século VII. Durante séculos, esta solenidade teve, sobretudo, caráter mariano. Mas o Beato Paulo VI, após o Concílio Vaticano II, devolveu-lhe o título de “Anunciação do Senhor”, repondo o seu caráter predominantemente cristológico. Em síntese, trata-se de uma “celebração (que) era e é festa de Cristo e da Virgem: do Verbo que se torna filho de Maria, e da Virgem que se torna Mãe de Deus”. (Marialis cultus 6).
Neste dia, a Igreja festeja solenemente o anúncio da Encarnação do Filho de Deus. O tema central desta grande festa é o Verbo Divino, que assume nossa natureza humana, sujeitando-se ao tempo e espaço. Com alegria contemplamos o mistério do Deus Todo-Poderoso, que, na origem do mundo, cria todas as coisas com sua Palavra, porém, desta vez escolhe depender da Palavra de um frágil ser humano, a Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Filho Redentor: “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem e disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo’! Não temas, Maria, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem’? Respondeu-lhe o anjo: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti’. Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tu palavra’” (cf. Lc 1,26-38).
Esse é o dia de proclamarmos: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14a). E fazermos memória do início oficial da Redenção de todos, devido à plenitude dos tempos. É o momento histórico, em que o SIM do Filho ao Pai precedeu o da Mãe: “Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). Mas não suprimiu o necessário SIM humano da Virgem Santíssima.
Celebrar a Festa da Anunciação do Senhor é celebrar o “fiat” (faça-se) da Virgem Maria, que pôs fim à espera de Adão, de Abraão, de Davi, de todos os Patriarcas e Profetas e também a nossa, pois estávamos esmagados pela sentença da condenação. Todos esperavam a resposta de Maria porque é dela que “depende o alívio dos infelizes, a redenção dos cativos, a liberdade dos condenados, enfim, a salvação de todos os filhos de Adão”. Nesse sentido, o sermão de São Bernardo sobre o tema coloca muito bem essa expectativa.
No Credo Niceno-Constantinopolitano professamos: “…Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus; e Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem…”. A Tradição da Fé recebida durante os séculos nos ensina que Maria, a Virgem de Sião, concebeu o “Logos” (Verbo) incriado em seu ventre, ou seja, o Filho de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, se fez carne no ventre da Virgem Maria, que O concebeu antes de tudo em seu coração por meio do seu “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Maria torna-se mãe através de seu “sim”. É pela escuta que a Palavra entra nela e a torna fecunda.
O mistério celebrado hoje é a conceição do Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Na basílica nazaretana da Anunciação, diante do altar há uma placa de mármore que os peregrinos beijam com emoção, e onde está escrito: “Aqui de Maria Virgem fez-se carne o Verbo”. No texto da Carta aos Hebreus, o hagiógrafo refere ou interpreta a anunciação de Cristo; no texto de Lucas, o evangelista narra a anunciação a Maria. Cristo toma a iniciativa de declarar aquilo que Ele mesmo compreende; Maria recebe uma palavra que vem de fora de si mesma, uma palavra cheia de propostas de um Outro. O paralelismo transforma-se em coincidência na explicitação da disponibilidade de ambos para fazerem a vontade divina; é uma disponibilidade separada por qualidade e quantidade de consciência, mas que converge na finalidade de obediência total ao projeto de Deus: “Ecce venio, ecce ancilla”, eis que venho! Eis a serva! A atitude de obediência irá aproximar a mãe e o filho, Maria “anunciada” e Jesus Cristo “anunciado”. Ambos pronunciam o seu “Eis-me aqui”!
Cumprindo desta maneira a profecia de Isaías: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco” (Is 7,14). Então, rezemos com toda a Igreja: “Ó Deus, quisestes que vosso Verbo se fizesse homem no seio da Virgem Maria; dai-nos participar da divindade do nosso Redentor, que proclamamos verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Por nosso Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo”.

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