Duas Atitudes Contrastantes

    As parábolas empregadas por Jesus em seus ensinamentos e encontros com os a apóstolos e o povo, pronunciadas a mais de dois mil anos são sempre meditadas, nunca esgotadas, pois com suas mensagens são sempre atuais. É que elas contêm verdades que iluminam todas as inteligências e falam diretas ao coração do ser humano de todos os tempos. Livros escritos por eminentes literados, palavras proferidas por pessoas ilustres se tornam facilmente ultrapassados, esquecidos. Não assim aquilo que o Mestre divino legou à humanidade. Uma destas luminosas parábolas é, sem dúvida, a do fariseu e o publicano, apresentando duas atitutes contrastantes, deixando lições valiosas, válidas em pleno terceiro milênio (Lc 18,9-14). Poucos versículos, mas uma fonte de profunda sabedoria vivencial. Dramatização de condutas diametralmente opostas que retratam muito do que acontece no mundo, no modo de ser de tantos cristãos. O Publicano era um mero coletor de impostos, ofício, por sinal desprezível no mundo antigo. O Fariseu pertencia à classe dirigente, à elite da sociedade. Eram bem o símbolo de muitos que detêm o poder e a riqueza, a imagem dos que dirigem o povo, cujo baixo salário vai quase pela metade para os cofres públicos através dos exorbitantes impostos com um retorno pífio para a sociedade. De um lado, a arrogância; de outro a simplicidade. Cinco versículos do Evangelho que se aplicam a todas as épocas e a todas as situações. A classe dominante precisa sempre de auto-promoção, auto-afirmação, haja visto o que o Governo gasta em propaganda muitas vezes de obras que nunca saíram do papel. Faltam em tantas ocasiões a auto-críttica, o auto-exame, a auto-avaliação e as mazelas que cercam o povo ficam esquecidas, deixadas de lado. Tal é, porém, o estadalharço da propaganda oficial que a população, por vezes, se deixa submergir pelo farisaísmo. Questões inúteis são requentadas para dispersar a atenção de problemas sérios. É bem verdade que as últimas manifestações populares em nossa pátria, demonstraram uma reação a este tipo de conduta, repudiando toda espécie de mentira e de falso triunfalismo governamental. Cumpre, de fato, sair de uma atmosfera de ilusão, de pseudo-grandeza, mesmo porque o Evangelho execra inteiramente o orgulho, a vã glória. Se todas estas reflexões valem no plano social em geral são também aplicáveis à vida pessoal de cada um. É mister evitar a fanfarronice do fariseu e imitar a atitude humilde do publicano. Deus conhece bem o íntimo de cada um, verdade ensinada em inúmeras passagens da Bíblia. Ele não julga pelas aparências, mas sonda o coração humano e conhece em profundidade a criatura racional. Ele quer que se respeite o próximo e, ao reconhecer as próprias falhas, que cada um se arrependa de seus erros. É preciso não acatar a autosatisfação, as falsidades, as trevas do Fariseu que menoscabava o pobre Publicano. É necessário se voltar sem cessar para a verdade, a humildade, o amor. Nada de uma prece como a do Fariseu que não louvava o Criador, mas a si mesmo, como bem reparou Santo Agostinho num de seus sermões (115,2-3). O Publicano não se comparava com ninguém, mas fazia um perfeito diagnóstico de si mesmo e como afirmou Jesus “voltou para casa justificado”. Ele possuía a justiça interior e espiritual que é feita de fé e dileção para com o Ser Supremo. Julgava-se um grande pecador, mas tinha Deus por ele e nele, dado que o Senhor Onipotente aborrece sempre o orgulho. Ao humilde Deus o eleva à sua própria glória  e o torna filho dileto, justificado, porque arrependido de seus pecados, dado que Deus é luz, como diz São João (1 Jo 1,5) e esta não pode conviver com as trevas,  O Ser Supremo se compraz em vir habitar naquele que se deixa por Ele iluminar. Este se torna “luz no Senhor”, ensinou São Paulo (Ef 5,8). Impende, de fato, num admirável paradoxo do Evangelho, se abaixar diante do Criador de tudo, crer que tudo que se tem, dele vem, para poder, realmente, participar da maior obra que há no mundo que é a obra do mesmo Deus. Foi o que desejou Jesus: “Que vossa luz brilhe tão bem diante dos homens que à vista de vossas boas ações, todos possam glorificar  vosso Pai que está nos céus” (Mt 14,16). Entretanto, apenas os que são humildes, como o Publicano, é que podem ser luz do mundo. Num contexto no qual imperam a escuridão do orgulho do Fariseu, há necessidade daqueles que  sejam lucíferos, lucipotenes como o Publicano. O mundo precisa de personalidades sinceras, homens e mulheres que possam ser referenciais para os concidadãos. Foi o que aconteceu. por exemplo, com Maria, a humilde serva do Senhor, que se fez pela sua humildade a bendita entre as mulheres, iluminando a História com suas virtudes singulares. Imitando-a cada um se torna um iluminador do meio em que vive. O cristão jamais deve ser um fariseu hipócrita, No verdadeiro seguidor de Cristo precisa brilhar sempre a humildade do pobre publicano.

     

    * Professosr no Seminário de Mariana durante 40 anos.