Diferenças que fazem a diferença

    Ficar indiferente às nossas diferenças é desprezar as qualidades do outro. É estacionar na mesmice do orgulho próprio. O mundo passa por um processo positivo de busca de diálogo. Grandes cisões do passado perderam seu sentido. Desde a queda do muro de Berlim, o sectarismo humano tem demonstrado sua ineficácia e o ridículo de situações que só história é capaz de apontar com clareza e lucidez maiores. Essa nova etapa de busca de unidade, paulatinamente, vem apresentando frutos e surpreendendo o mundo. Dentre as ações mais recentes, duas correntes opostas são as que mais contribuem: o cristianismo e o comunismo. De fato, os opostos se atraem…
    Primeiro foi a iniciativa da santa sé católica em convidar correntes historicamente rivais a ponderar suas diferenças. Capitalismo e comunismo teriam algo em comum? Cuba e EUA descobriram que acima dos interesses ideológicos estavam as carências do povo, a liberdade de ir e vir, de pensar, manifestar, acreditar. A neutralidade do território do menor país do mundo – o Vaticano – tornou-se ponte para o diálogo entre Raul Castro e Obama, com a mediação do papa Francisco. À sombra da fé cristã a diplomacia venceu a intolerância. Reatou-se o diálogo entre aqueles dois países.
    Não tardou um gesto de gratidão. Quase mil anos separava cristãos ortodoxos e católicos, num contratestemunho de fé inaceitável para a perfeita prática cristã. Foi a vez de um sistema que se diz agnóstico demonstrar também sua fé, ao menos aquela que acredita no diálogo, na união de forças, na fraternidade da qual o cristianismo tanto se gaba. Cuba abriu suas portas, permitindo que as maiores lideranças do cristianismo atual pudessem se olhar cara a cara e romper o silêncio de tantos séculos.  O papa Francisco e o patriarca Cirilo assinaram, em território cubano, uma declaração histórica. O mediador, um líder comunista. A pequena ilha outrora banida das questões mundiais tornou-se um território neutro para facilitar o diálogo entre irmãos separados. “Somos todos irmãos”, dizia sorridente o líder católico, enquanto o patriarca russo reconhecia: “Agora as coisas ficarão mais fáceis”. Mas uma observação encheu a todos de esperança “A continuar assim, Havana será uma espécie de capital da união” – deixou escapar o papa. Quem diria!
    Onde a esperança parece minguar e a liberdade rasteja entre muros é que o diálogo suscita novos caminhos. Um país comunista usa sua neutralidade como gesto de maturidade diplomática. Aprendeu com os próprios erros? Ou foi pela dor e sofrimento de anos de isolamento? Ou pela descoberta de que as diferenças se atenuam pela partilha, pela busca de respeito mútuo, pela tolerância… Trago isso tudo para o campo pessoal. Um cristão se compadece e usa de sua misericórdia apenas porque a maturidade na fé lhe diz ser este o melhor caminho. Assim se constrói um futuro de paz e harmonia também entre os povos, cultural e religiosamente diferentes. Estes respeitando sua fé, aqueles seus dogmas políticos e todos a liberdade de escolha, a soberania do indivíduo e a primazia dos povos, seus costumes, suas tradições.
    Isso é misericórdia. Esse é seu ano. Não por acaso, neste ano o papa Francisco já visitou a sinagoga de Roma, foi convidado a visitar a Grande Mesquita italiana e já prepara uma viagem à Suécia para, junto aos irmãos protestantes, celebrar os 500 anos da Reforma Luterana. Estamos apenas começando. A misericórdia está em ação. Há sempre um hiato de esperança quando se olha o outro com a benevolência do coração e não com a intransigência da razão. Nossas razões não são maiores, nem melhores que as do outro. Ao contrário, se verdadeiramente prezamos o mundo como uma casa comum para todos, é preciso restabelecer por primeiro uma política de boa vizinhança e, principalmente, o diálogo entre irmãos. Isso fará a diferença.

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