DIÁLOGO E AMIZADE

    O sexto capítulo de Fratelli Tutti desafia-nos a retomar o diálogo em todos os campos dos relacionamentos humanos. Seja na família, na sociedade, no trabalho ou mesmo entre povos, raças e nações. “O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia com as desavenças e os conflitos; e, contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor. (198)”. Teoricamente, bem conhecemos esse efeito da prática do diálogo. Mas efetivamente, quanta confusão!

                Lembro-me de um movimento católico para casais onde um dos baluartes que lhe atribuíam sucesso chamava-se “dever de sentar-se”. Esse “dever”, diante do outro, é que era o problema. Para mim, nada que fosse “obrigatório”  e não espontâneo, perdia efeito na prática do diálogo. Então me frustrava tal dever. “Muitas vezes confunde-se o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo (200)”, diz o papa. Portanto, diálogo não se impõe, mas nasce da espontaneidade presente numa relação sadia. “A falta de diálogo supõe que ninguém, nos diferentes setores, está preocupado com o bem comum, mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona (202)”. Diálogo com pretensões de vantagens e sem visão do bem comum está fadado ao fracasso. É preciso construir juntos.

                O consenso é a base do sucesso. “Temos que nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada (208)”. A transparência dos ideais que se buscam numa atitude de diálogo deve estar à frente de qualquer outro objetivo. Esse é o primeiro passo: clareza no que se busca. “Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional (211)”. Essa é a nova cultura desejada e ansiosamente trabalhada pelos meios diplomáticos da atualidade.

                Então Francisco cita um brasileiro, Vinícius de Morais, que bem definiu essa busca humana: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. E acrescenta: “Isto implica o hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser diferente (218)”. Cita, então as gritantes diferenças existenciais, sociais e culturais presentes na realidade humana. A questão indígena é uma dessas. “A intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma verdadeira forma de violência, própria dos especialistas em ética sem bondade que vivem julgando os outros. Mas nenhuma mudança autêntica, profunda e estável é possível, se não se realizar a partir das várias culturas, principalmente dos pobres (220)”.

                Na realidade, o diálogo que o papa nos propõe necessita de um rótulo novo, além do consenso diplomático: a amabilidade. Essa é a cor do diálogo autêntico, aquele que possui o rosto de Cristo oferecendo a água viva junto ao poço da “humanidade pecadora”… “É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros. Supõe ‘dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam’ em vez de ‘palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (Exort Amoris Laetitia), diz Francisco ao final desse capítulo (223). E conclui: “A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm o direito de ser felizes (224)”.

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